Dia: janeiro 9, 2009
Years of refusal | Morrissey
O site oficial se chama, muito apropriadamente, It’s Morrissey World. E aí nos lembramos que poucos são os ídolos pop com cacife para essas extravagâncias: os álbuns de Morrissey sempre nos levam a um mundo de fácil reconhecimento. Basta um acorde e sabemos onde estamos.
Algumas viagens são menos corriqueiras que outras. Em Ringleader of the tormentors, de 2006, o mártir dos solitários anônimos nos surpreendia com uma lua-de-mel fogosa em Roma, plena de revelações (e, no caso dele, revoluções) sexuais. Mas o verão acabou.
Years of refusal retorna ao roteiro habitual, com canções supostamente confessionais compostas provavelmente de madrugada, possivelmente num quarto vazio. O Morrissey que conhecemos – e do ponto em que o igualmente amargo You are the Quarry havia parado.
Em quase tudo, soa como uma continuação do álbum de 2004. A começar pela produção simplezinha de Jerry Finn, de bandas como Blink 182 e Offspring. Finn morreu pouco depois da conclusão do disco, o que só acentua o tom desiludido de um repertório que, apesar de explorar praticamente todos os temas recorrentes da discografia do cantor (amores turtuosos, vaidade, solidão), soa mais mórbido que o habitual.
O que não significa, de forma alguma, que este seja um momento introspectivo. Morrissey não conseguiria. Com o auxílio de Finn, a primeira metade do disco é para tocar nas rádios: toda tomada por guitarras meio anêmicas, pasteurizadas, mas enérgicas (imagine um hit do Paramore). O empobrecimento musical valoriza os versos de Morrissey. E, convenhamos, é o que importa.
É nesse aspecto aí que Moz continua em estado de alerta, hilariante e cruel. Um disco para ser lido, este. Faixas como That’s how people grow up e Something is squeezing my soul provam que o rei do sarcasmo não deixou o castelo. “Não há amor nem amigos verdadeiros na vida moderna”, dispara, certamente com um sorrisinho cínico no rosto. Mais adiante, em I’m throwing my arms around Paris, dá prosseguimento ao ritual fake de auto-humilhação: “apenas pedras e metal aceitam meu amor”.
Para variar, Morrissey comentou que Years of refusal é um álbum para “pessoas reais” e que, por isso, será odiado pelos críticos. O curioso é que, com o passar do tempo (e com exceção do disco anterior), o personagem de Morrissey passa a parecer cada vez menos real e cada vez mais uma compilação de trejeitos previsíveis, de movimentos repetitivos, de piadas prontas.
Por enquanto ele ainda está bastante vivo. Mas, para um mestre da acidez, a acomodação pode acabar se revelando o pior dos venenos.
Nono álbum de Morrissey. 12 faixas, com produção de Jerry Finn. Universal Music. 6.5/10
Sparrow
Man jeuk, 2008. De Johnnie To. Com Simon Yam, Kelly Lin, Lam Ka Tung, Lo Hoi Pang. 87min. 8.5/10
Uma dica preciosa do Filipe. Como ele, também acredito que a Mostra de SP e o Festival do Rio de 2008 só teriam crescido com a inclusão do belo filme que Johnnie To dirigiu enquanto fazia coisas mais importantes.
Aconteceu assim: num período de três anos, nos intervalos de filmagens e com uma equipe fiel de atores, Johnnie rodou uma legítima obra em progresso, alterada livremente sempre que aparecia uma ideia mais interessante.
Sparrow foi concluído para atender o convite do Festival de Berlim. Caso contrário, teria seguido incompleto até sabe-se lá quando. O saldo da experiência é um filme-hobby, um passeio pelas ruas de Hong Kong, uma valsinha de 1h20 de duração: cinema em dia de folga.
A liberdade do processo permite a Johnnie mudanças de tom que podem confundir quem o conhecia de filmes doloridos como Eleição e Exilados, ainda que volte a representar os laços de companheirismo criado num grupo de personagens masculinos (batedores de carteira).
Mas as diferenças são todas superficiais. Sparrow flutua, ainda que não tenha nada de despreocupado, de desleixado. Cada quadro é composto com detalhismo (e o uso de cores é deslumbrante). A trilha sonora ilustra as situações e os sentimentos dos personagens – o que faz desse um musical mais profundo que qualquer exemplar hollywoodiano recente do gênero (e o aproxima do cinema de Wong Kar-wai). E Hong Kong, como Filipe bem observou, dança em primeiro plano.
O clímax, um balé de guarda-chuvas, parece existir numa fronteira absurda entre os duelos trágicos de John Woo e a delicadeza de Jacques Demy (que o cineasta homenageia assumidamente). Juro que revi a sequência quatro vezes antes de me dar por satisfeito.
Aposto que aparecerão críticas sobre uma suposta frivolidade da trama. Não é por aí. A todo momento, Johnnie alivia o peso do roteiro a favor de uma atmosfera sensual, lírica – na cena final, ele deixa muito claro que narrou apenas mais uma aventura na vida do quarteto de amigos.
Taí um filme que muita gente verá como uma espécie de refresco, uma curiosidade agradável, um intervalo entre os lançamentos “relevantes”. E que retornará alguns meses mais tarde, quando essas mesmas pessoas tentarem recordar as sessões mais prazerosas do ano.