Dia: janeiro 7, 2009

O dia em que a Terra parou

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The day the Earth stood still, 2008. De Scott Derrickson. Com Keanu Reeves, Jennifer Connelly, Kathy Bates e John Cleese. 103min. 4/10

O filme é um estalinho, uma besteira, mas taí o papel da vida de Keanu Reeves: Klaatu, o alienígena apático, incapaz de expressar sentimentos, vestido num terno-e-gravata impessoal, uma versão desnutrida do exterminador do futuro, um homem-de-preto com paralisia facial. Desconfio que ninguém defenderia esse personagem com tanto gosto.

Reeves mata a pau, rouba cenas, dá um olé na Jennifer Connelly. Já o filme… Não sei se Scott Derrickson (de O exorcismo de Emily Rose) é um piadista, mas deve haver alguma gozação embutida na escolha de John Cleese para viver um acadêmico respeitadíssimo. E como avaliar a ideia estranhíssima de preservar – em todos os detalhes kitsch – o robô grandalhão que ilustra o cartaz do filme original, de 1951?

Entre tantas homenagens oportunistas que nos fazem engolir, esta está mais para Invasores (aquele objeto oco com Nicole Kidman) que para o King Kong de Peter Jackson (que pelo menos demonstra algum interesse e carinho pelo original).

Scott Derrickson desloca a premissa de 1951 para o século 21 (sai Guerra Fria, entra a preocupação com o meio ambiente), mas, no meio do caminho, consegue – e sei lá como! – transformar o apocalipse num teatrinho infantil, inocente, indolor. Não se salva nem como filme B. É só dispensável, mecânico, sem charme.

Mas, para quem preferir, trata-se de uma comédia com duas ou três boas gags e algumas frases de efeito inacreditáveis. Imagine aí Keanu Reeves pronunciando algo como “eu sou amigo da Terra”. Cinco horas depois do término da sessão, ainda estou achando graça.

The crying light | Antony and the Johnsons

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antonyjohnsonsNa capa da revista italiana Rumore, Antony Hegarty é “a voz que vem de outro planeta”. Fico me perguntando: ainda?

Quatro anos depois do fenômeno I am a bird now (e lá se vão nove anos desde o disco de estreia), o cantor continua a se alimentar de uma atmosfera de estranheza e de ambiguidade. Sempre foi difícil identificar onde terminava o homem e começava o personagem (se bem que, no caso, fica a impressão de que eles se misturam, se contaminam). The crying light tenta prolongar o mistério por mais um ato.

Confesso que, para mim, este álbum solene e seguro (digo: seguro dentro dos modelos testados no disco anterior) não deixa de soar um tanto frustrante. No EP Another world, lançado no final do ano passado, Antony saía do cercadinho para experimentar em outras freguesias (Shake that devil, a melhor do compacto, parecia até coescrita por Tom Waits). The crying light abandona os riscos em prol de um formato mais uniforme, demarcado por piano, orquestra (conduzida por Nico Muhly) e pela voz de Antony, novamente em primeiríssimo plano.

Lembra muito a estrutura de um lançamento bem recente que Antony admite admirar: To survive, de Joan as Police Woman. Existe uma espécie de beleza serena nas dez novas canções – e todas elas indicam uma fase mais contemplativa do compositor, agora às voltas com versos sobre “paisagens naturais e emocionais” (impossível não retornar às “emotional landscapes” de Björk) e cada vez menos masoquista (ainda que faixas como Another world e Her eyes are underneath the ground sejam de cortar pulsos).

Mas, se existe um tipo de evolução no álbum, ela não nega nenhuma das antigas obsessões do músico. O medo da morte e da velhice, o mistério da criação artística, o sentimento de resistência, o amor aos outsiders: tudo está representado logo na foto da capa, do dançarino japonês Kazuo Ohno, de 102 anos de idade. Nos versos, afloram o romantismo extremado, o êxtase diante da natureza, o amor supremo, o sagrado (e Aeon, a mais impressionante do disco, é soul music para um mundo pós-In rainbows). Está tudo lá.

Ou seja: é um álbum com uma premissa nobre, interpretado com a convicção e a entrega que esperamos de Antony, mas também quase frio, sob controle. De qualquer forma, não deixa de ser interessante notar as diferenças entre a trajetória de Hegarty e do amigo Rufus Wainwright. Enquanto o segundo se mostrou cada vez mais extrovertido, o primeiro optou pela introspecção, por esculpir lentamente a própria obra.

Esse artesanato não perdeu o impacto. A música do Antony and the Johnsons ainda parece produzida dentro de uma caverna perdida num outro universo (ainda!) – e a personalidade que falta a gente como Andrew Bird e até à própria Joan as Police Woman, Antony tem de sobra. Acontece que nos acostumamos com essa força sobrenatural. E The crying light, apesar de magnético, sofre com o peso de tanta familiaridade. 

Terceiro álbum do Antony and the Johnsons. 10 faixas. Lançamento Secretly Canadian. 7/10

‘Another world’ – Antony and the Johnsons