Dia: janeiro 6, 2009

Kamphopo | The Very Best

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Resolução de ano novo: vou me mandar pro Malauí. Lá a criançada adora Architecture in Helsinki. Veja aí a felicidade da gurizada neste clipe do projeto The Very Best, que faz um mexidão de Heart it races com os versos do cantor Esau Mwamwaya e a produção de Radioclit.

O disco da dupla, lançado no fim do ano passado, soa tão naturalmente divertido (e oportuno, em temporada de Vampire Weekend e M.I.A.) quanto essa bagunça aí. A versão deles para Cape Cod Kwassa Kwassa, do Vampire Weekend, é melhor ainda. Deve virar trilha sonora do verão – pelo menos de Malauí, vá saber.

A vida, a morte e um carro blindado

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Passei os últimos dias de 2008 em Angra dos Reis. Saí de lá transtornado. É um tipo estranho de paraíso. Em que outro lugar do mundo você é atropelado por um barco e acaba resgatado pela Fernanda Lima?

Não tive essa sorte toda. Quer dizer, minto: tive a sorte de, Fernanda Lima à parte, não ter morrido em Angra. O que é sempre lucro, dizem.

Mas quase aconteceu. Verdade. E, apesar da ausência de celebridades, meu acidente também teve um desfecho mais ou menos chique. E também pareceu bastante perigoso. Pelo menos foi o que me contaram. Quando tudo se acertou, me convenceram de que praticamente mandei um aceno para Dona Morte.

Taí: na minha folga de fim de ano, descobri que não consigo avaliar a gravidade de certas situações. E que não nasci para a high-society.

Eu estava a alguns quilômetros da areia, perto de uma ilha que já foi do Luciano Huck, quando meu caiaque começou a afundar. Por um pequeno rasgo quase invisível, o barquinho de plástico encheu de água e ficou cada vez mais lento. Num primeiro momento, não me incomodei com o detalhe. Eu e os caiaques só nos encontramos uma vez a cada 15 anos.

– O caiaque tá pesando um pouquinho, mas parece que não tem problema. Vou remando pra areia – comentei com o irmão da minha namorada, Rafael, que remava com certa dificuldade um outro caiaque (ele estava acompanhado da namorada dele).

Dois minutos depois, o barco virou e me lançou de pernas pro ar – no meio do nada. Fiquei batendo perna e, enquanto segurava o caiaque com uma das mãos, acenava com a outra, dizendo “tá tudo bem, tá tudo bem, vou virar o barco e subir de novo”. Consegui resolver o problema. Mas, no terceiro tombo, decidi que deveria voltar para a praia nadando, apoiado no caiaque.

Pode parecer incrível, mas estávamos todos bastante calmos com a situação. Mais tarde raciocinei que, se eu nadasse com aquele caiaque em direção à praia, provavelmente levaria umas cinco horas para chegar à terra. Isso se eu (que não sou o super-homem) não me cansasse antes. Mas naquele momento, largado ao mar, tudo parecia muito simples. Era só nadar. E continuar nadando.

Amarrei o caiaque no barco do irmão da minha namorada. Lá de longe, conseguimos notar a preocupação dos que estavam na areia. Demorou uns vinte minutos para que o resgate chegasse. Uma pequena lancha amarela começou a se aproximar dos caiaques.

– Precisam de ajuda? – o piloto perguntou.

– Não, não, tá tudo bem. Vamos nadando, não se preocupe – respondi, e talvez tenha sido o comentário mais patético da minha vida.

– Não é melhor subir na lancha? – o homem ainda tentou.

– Não. Estou bem.

Foi quando, impaciente, o sujeito parou aquela máquina aquática e amarrou, por conta própria, meu caiaque no barco.

– Por um acaso você é besta? Tá aí com a língua de fora. Suba, vamos. Suba.

Preocupado em não irritar, subi. Quando mais a lancha se aproximava da areia, mais eu percebia a distância que separava os caiaques da praia. Eu estava salvo. Curioso que, em nenhum momento, eu tenha percebido a necessidade de ser salvo. Eu corria algum risco? Ainda não faço idéia.

Na terra, todos estavam preocupadíssimos. “Falamos em seguro de vida”, comentou minha namorada. “Poxa, por quê?”, respondi, sem reação. “Tinha gente pensando em te resgatar com uma prancha de isopor”, contaram. “Meu deus”, e aí percebi que havia provocado uma espécie de evento, de notícia, ou algo do gênero.

O momento absurdo da história, porém, veio um pouco antes, logo que a lanchinha parou para que eu desembarcasse. Notei de relance o nome do barco: Caras II.

– É da Ilha de Caras? – perguntei, curiosíssimo.

– Ã-hã – respondeu o piloto, positivamente, e desinteressado.

– E você vai pra lá agora?

– Vou. Tem uns três artistas esperando.

– E onde fica a Ilha de Caras? – (essa era a pergunta que não queria calar)

– Não fica num lugar só. Ela muda a cada estação.

– Nossa.

Mais tarde, quando todas as piadas em referência a um certo filme de James Cameron já haviam perdido a graça, fomos jantar num condomínio com aparência de Beverly Hills. As meninas de oito anos de idade conduziam mini-jipes da Barbie; os meninos de doze anos eram todos do elenco da Ford Models. A pizza custava R$ 40 e as lanchas pareciam mais amplas que meu apartamento.  Ouvi um adolescente comentar que tinha o sonho de ganhar um Tucson blindado.  

Fiquei um pouco mareado. Não foi a primeira vez em que isso aconteceu comigo. E eu estava pensando no assunto desde o primeiro dia de viagem. Se existe uma minoria que me sensibiliza, é a dos milionários. Não entendo nada sobre eles. Não entendo a forma como eles pensam. Não entendo como eles enxergam o mundo, o país. Dentro desse microcosmo, me parece ainda mais fascinante a vida dos filhos dos milionários. Se um dia eu fizer um filme, será sobre eles. Os meninos e meninas de férias em Angra dos Reis. Nos carros blindados, isolados em condomínios, com roupas de grife e viagens marcadas para a Europa, quase-advogados, quase-médicos, habitantes de um país paralelo, de uma ilha que muda de lugar a cada estação.

Como contar essa história sem cair em simplificações, em preconceitos, na sátira vazia, na caricatura? Eu não sei. Mas foi esse o filme que passou em minha cabeça durante os vinte e poucos minutos em que, diante de um caiaque furado, bati perna naquele oceano de iates de R$ 6 milhões.

Pelo menos não morri a algumas braçadas da ex-ilha do Luciano Huck. Aí teria sido uma vergonha. Muito chique, mas uma vergonha.