Dia: dezembro 4, 2008

Última parada 174

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174

Brasil, 2008. De Bruno Barreto. Com Michel de Souza, Chris Vianna, Vítor Carvalho e Marcello Melo Júnior. 110min. 5/10 

Há um lado bom nessa história de ser o último a opinar sobre um determinado assunto. Exemplo: eu não queria ter estado na pele dos que escreveram os primeiros textos sobre o novo filme de Bruno Barreto.

Como fazer uma introdução eficiente a Última parada 174 sem retornar às discussões (desgastadas, todas elas) sobre o cinema de favela e violência urbana, o retrato dos contrastes sociais do Rio de Janeiro, o trabalho com atores desconhecidos, o currículo do roteirista Braulio Mantovani, as semelhanças e diferenças com o documentário de José Padilha, a campanha para o Oscar 2009?

Sorte a minha que, nesta altura, vocês já leram sobre tudo isso em algum lugar. 

Como acontece com a maior parte das produções “inspiradas em uma história real”, esta também privilegia o impacto do tema (e de um personagem) sobre a forma como ele é encenado. Existe uma cegueira generalizada, capaz de contaminar a seleção de festivais respeitados como o de Brasília, que supervaloriza a suposta urgência de certas premissas – como se o filme tivesse de servir como mero canal entre a realidade e o espectador.

Para mim, é impossível levar a sério qualquer conversa que dependa dessa falsa premissa. Sabemos, e isso é muito básico, que o cinema é uma representação, uma encenação da vida. Dito isso, Última parada 174 é apenas um entre tantos filmes que poderiam ter sido rodados sobre o episódio do seqüestro do ônibus que, transmitido em rede nacional pela tevê, obrigou o país a conhecer Sandro, o menino pobre que vestiu o traje de vilão de uma Sessão da tarde sádica.

É importante sublinhar essas e outras obviedades, já que o filme de Bruno Barreto se vende como um evento “importante” quando, no máximo, oferece apenas um olhar (sem grandes méritos cinematográficos, adianto) sobre a questão da exclusão social e da violência urbana no Rio de Janeiro.

O que me interessa está aí: que olhar é esse? Numa entrevista coletiva à época do lançamento de Caixa dois, o diretor comentou que havia preferido morar em São Paulo muito por causa do pavor que sentia toda vez que viajava ao Rio. É o que talvez explique a carga de aflição e pânico que as imagens do filme carregam. Barreto filma a miséria e a bandidagem como quem enfrenta um trauma. Se todo filme brasileiro é o espelho do imaginário de uma classe média alta, este filme (e também Cidade de Deus) vai direto à ferida: é um thriller cruel que toma como vítima o público indefeso, estatelado na poltrona do multiplex. 

Se Bruno Barreto queria abrir nossos olhos para uma certa realidade, o que conseguiu foi produzir um instrumento de choque. Soterrado por uma catarata de tragédias – narrada com trilha sonora sentimental e um roteiro que encontra relações de causa-efeito até nos detalhes mínimos da trama -, o público possivelmente compartilhará da sensação de impotência e desilusão do diretor. O que se pode fazer pelos mais pobres? O que o Estado deveria (ou poderia) planejar para evitar histórias como as de Sandro? São questões que o filme provoca, até indiretamente.

A maior delas, porém, não se resolve com recursos de ficção: quem é Sandro? Para desenhar o perfil do personagem, Bruno Barreto parece arriscar um diálogo com o Pixote de Hector Babenco. Sandro vem ao mundo já acorrentado, e sobrevive da forma como pode. Mas, apesar dos tantos crimes que comete, permanece “bom” – no seqüestro do ônibus, faz questão de ajudar as vítimas, e num determinado momento recusa-se a matar uma mulher durante um assalto frustrado.

É nessa simplificação do anti-herói, e do ambiente ao redor dele, que o filme se estrepa: a lente se aproxima de Sandro ora com medo, ora pronta a encontrar argumentos psicológicos (a ausência da mãe) ou sociológicos (o descaso do pai: o Estado) para garantir ao menino um rosto e um lugar no mundo.

Agora, nem tudo é equívoco: como tratado em primeira pessoa sobre a forma assustada como a nossa classe média alta e o nosso cinema enxergam os miseráveis, é programa obrigatório. E, só por isso, um dos filmes brasileiros (aí sim) mais urgentes do ano. 

PS: Em vez das estrelinhas que confundem meio mundo, a partir de agora os filmes e discos ganham notas de 0 a 10. Para quem sente falta das antigas cotações, é só clicar naquele endereço de sempre

40 clipes

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Colocamos a meia vermelha na janela e o que apareceu? A Pitchfork começou a retrospectiva de 2008 com uma seleção de 40 clipes do ano. Muitos deles passaram aqui pelo blog – e, obviamente, eles não esqueceram de House of cards, do Radiohead. Mas há videozinhos que escaparam do radar relapso deste que sujeito atarefado que vos escreve. Um exemplo é o fofo Kim and Jessie, do M83, dirigido por Eva Husson. Um filme musical psicodélico encenado numa quadra esportiva de colégio. E não preciso falar mais nada.