Dia: dezembro 2, 2008
A bela Junie
La belle personne, 2008. De Christophe Honoré. Com Léa Seydoux, Louis Garrel, Grégoire Leprince-Ringuet e Esteban Carvajal-Alegria. 98min. 3/4
Ir ao Festival Varilux este ano é programa obrigatório – nem que para assistir a Elogio ao amor, do Godard, na tela do Cinemark (o mais próximo que poderemos chegar de um ato cinematográfico subversivo?).
O destaque da mostra, porém (e curiosamente, talvez coerentemente), é nosso mui controverso discípulo de François Truffaut. A bela Junie narra o zigue-zague amoroso de um grupo de estudantes por um filtro de referências cinematográficas que inclui Duas inglesas e o amor (de Truffaut), O joelho de Claire (de Rohmer) e Cançoes de amor (do próprio Honoré).
Antes que os detratores enxerguem neste filme-de-cinéfilo mais um decalque estéril de certas marcas associadas à Nouvelle Vague, seria interessante partirmos do princípio de que a colagem (superficial) de referências cinematográficas e musicais, usada para garantir leveza e bom humor a (profundas) crônicas sentimentais de juventude, é o estilo que Honoré segue defendendo com bastante convicção.
Os críticos perigam repetir eternamente a ladainha contra os métodos do diretor – enquanto isso, Honoré cresce sem trair o próprio olhar.
Vi quatro filmes do diretor e A bela Junie – justo esse, produzido para a televisão, lançado sem o estardalhaço de festivais internacionais – é meu favorito. Honoré adapta um livro do século 17 (La princesse de Cleves, sobre os amores não-correspondidos de tipos aristocráticos) para o ambiente de uma escola francesa dos dias de hoje – e, no meio do processo, remixa a ciranda de Canções de amor com um tom mais azulado, melancólico, de emoções tão barrocas quanto as que ouvimos nas primeiras canções de Nick Drake.
E poderíamos encerrar este texto aqui: qualquer filme que não se deixa ofuscar pelos acordes de Way to blue e Day is done será necessariamente um estrondo.
Como no cinema de Truffaut, Honoré trata o amor como o maior (e também mais enigmático, mais cruel) dos temas. Daí a oposição entra as cenas gélidas e entediantes em que os alunos freqüentam aulas com o vulcão que queima os intervalos. Não há outra força que dê sentido à vida dos personagens que não a de amar e ser amado. O cineasta leva esse argumento ao limite e o explora em uma gama de possibilidades – o que o diferencia de Truffaut (não totalmente para o bem) é que Honoré recorre a um sentimentalismo com um quê cerebral, controlado, como se acenasse constanemente para o espectador: ‘isto é um filme!’.
Mas, ao mesmo tempo (e é por isso que cresce), parece perceber que nada pode parar os personagens – eles continuarão vivos e soltos na imaginação do espectador. A bela Junie parece o filme mais simples e cristalino do cineasta. É o mais complicado (e também uma síntese dos anteriores). Honoré, aos poucos, se desamarra de alguns truques de narrativa para pisar em terreno de emoções movediças. Um passo arriscado (maior que as pernas?), mas que acompanharei com gosto. É agora que a aventura começa.