Dia: novembro 29, 2008
El Mapa de Todos: duas noches
Não sei se planejaram as duas primeiras noites do festival El Mapa de Todos para que sentíssemos a contraste entre o lado introspectivo e o extrovertido do rock ibero-americano. Mas foi o que aconteceu. Se a noite de quinta-feira caiu acinzentada de tão melancólica (culpem Marcelo Camelo), a de sexta brilhou no tom amarelo-ovo da calça de Adrián Rodriguez, vocalista do Babasónicos.
Infelizmente não estarei lá hoje para assistir ao Mundo Livre S/A. Só que já dá para cravar que este é um festival merece ser defendido: a curadoria (inteligentíssima) une alhos, bugalhos e uma penca de desconhecidos ilustres para formar o painel de um rock latino que desmonta os preconceitos do público brasileiro. Ainda me parece assustador que a estréia brasileira do Babasónicos, uma banda formada em 1991, tenha rolado apenas agora, e aqui em Brasília. Se o El Mapa de Todos veio para corrigir essas e outras distorções, que não nos abandone.
Quinta-feira: ‘Isso lá é bom, doce solidão?’
A seleção da noite de Marcelo Camelo parece ter sido montada para Marcelo Camelo. Dois outros convidados – o português Azevedo Silva e o brasiliense Beto Só – bateriam na tecla dolorida do rock em tom menor, com violões, murmúrios e versos sobre solidão, amores perdidos, saudade. Até os uruguaios do Danteinferno, que destoaria desse tom deprê, surpreenderam com um set mais calminho que de costume.
E Camelo? O barbudo confirmou o papel de trovador recluso (nosso Bon Iver!) e de ídolo de menininhas de 16 anos (era, e estou falando sério, a maior parte do público que lotou a casa de shows). Como entertainer, sai-se um ótimo professor de História. Camelo não quer entreter ninguém, certo? O que ele compõe é tão caseiro, tão íntimo, tão intransferível, tão essencialmente dele que parece pequeno demais até para um teatro para 800 pessoas.
Em disco, esse tipo de viagem ao redor do umbigo parece fazer mais sentido. Soa como um sussurro (e no bom sentido). No palco, alguma coisa parece fora da ordem. Antes de assistir ao show me contaram que os músicos do Hurtmold garantiam profundidade à caixinha de música de Camelo. Há alguns barulhinhos sutis e tal. Mas nem isso compensa o clima aborrecido que paira sobre o lual.
Camelo, o anti-astro, faz um anti-show. Conversa pouco com os fãs (histéricos, como de hábito), não esboça sorriso e, num certo momento, toca de costas para a platéia. Como performance calculadamente blasé, não cola. “Ele tá dando uma de João Gilberto”, avaliou um fã. Repito: um fã.
As versões para músicas do Los Hermanos como Pois é e Morena conseguem soar diferentes sem trair o espírito das gravações originais. Mas, amplificadas num palco, diante de várias pessoas, as canções de Sou se revelam inacabadas, quase esquecíveis, e tão antipáticas quanto a pose do cantor (como antídoto, o português Azevedo Silva provou que é possível ser intimista sem fazer marra). Lição quase futebolística da noite: disco é disco, show é show.
Sexta-feira: ‘Algunas noches soy fácil, no acato límites’
Com Camelo jogando na defensiva, o melhor show do festival foi (fácil, fácil) o do Babasónicos. Em clima de ‘tudo ou nada’, os argentinos não se conformam com o fato de – com uma trajetória de nove álbuns! – vender bem em todo canto, menos no Brasil. Deve ter sido uma experiência estranhíssima: na Argentina eles lotam o Luna Park; em Brasília, levam metade do público do Camelo ao Espaço Brasil Telecom.
Mas eles pareciam preparados para lidar com a apatia da platéia – tanto que, no bis, conseguiram fazer com que muita gente se levantasse para dançar em frente ao palco. Não há como ficar emburrado com as acrobacias de Adrián Rodriguez, o baixinho-espoleta que emula James Brown, Mick Jagger e Michael Jackson num mesmo refrão. Ninguém pode pará-lo.
Quem conhece a banda de meados dos anos 90 pode ter reclamado de um set list previsível, armado em torno dos dois discos mais recentes deles (Mucho e Anoche). Ok, não deixa de ser, mas vale lembrar que o show apresentou o perfil de um cartão de visitas – e, para efeito máximo, o grupo lançou mão dos hits mais acessíveis, da fase pop iniciada com o álbum Jessico, de 2001.
Foi esse Babasónicos manso que vimos por aqui. O que não chega a incomodar, já queo grupo sabe (como poucos) aliar os truques comerciais à influência indie, psicodélica. Ainda se vestem como hippies sujos saídos de uma rave que varou a madrugada.
A noite de sexta ainda teve o skabilly do peruano Turbopótamos (uma espécie de Franz Ferdinand latino, bastante eficiente), mais um show hipnótico do Macaco Bong e a revelação Facas Voadoras, do Mato Grosso do Sul (que une Johnny Cash, Pixies, The Cramps e, incrivelmente, não soa como Matanza).
Será que em 2009 rola Los Tres? Depois de ter visto Babasónicos a cinco palmos de distância, tudo é possível.