Dia: novembro 24, 2008
Festival de Brasília | À margem do lixo
À véspera da cerimônia de premiação, o Festival de Brasília criou uma controvérsia dentro da controvérsia. Primeiro, o motivo de preocupação era o predomínio de documentários entre os longas-metragens. Agora, o que se discute é algo mais trivial: a qualidade dos filmes selecionados. Se o festival queria valorizar o bom momento do gênero documental, o tiro parece ter saído pela culatra – a precariedade dos filmes nos faz sentir saudade de uma boa ficção.
Aliás, tudo o que quero saber neste exato momento é os nomes dos filmes de ficção que ficaram de fora da mostra competitiva. O híbrido Sagrado segredo, excluído da disputa, continua à frente da maior parte das produções exibidas nas sessões noturnas do Cine Brasília. E, por enquanto, o melhor filme do festival é disparado Se nada mais der certo, do José Eduardo Belmonte.
Entre os curtas-metragens, a situação também não é animadora. Mas a seleção resultou menos desastrosa que a do ano passado. Por enquanto, o documentário Minami em close-up, sobre a Boca do Lixo, é o favorito tanto da crítica quanto do público. É um filme divertido, com a compilação de cenas bizarras que se espera de um projeto com esse perfil, mas que parece o prólogo para um longa-metragem (ironicamente, um curta com personagens mais interessantes que todos os apresentados nos documentários da mostra até aqui).
À margem do lixo | Evaldo Mocarzel | «
Até quem esperava pouco de Mocarzel parece ter se decepcionado com esta terceira parte da tetralogia iniciada com os bons À margem da imagem e À margem do concreto. No primeiro longa da série, Mocarzel discutia o roubo da imagem de moradores de rua. O tema foi desdobrado como um filme-guerrilha no segundo episódio (o clímax era uma invasão de sem-teto, filmada como uma seqüência de fita de ação) e, agora, serve de palanque para as reivindicações dos catadores de lixo de São Paulo.
A proposta inicial do projeto continua intacta: lançar uma luz de dignidade sobre tipos marginalizados. Mas o diretor – que parecia ainda instigado pela reflexão sobre a imagem em Jardim Ângela – dá alguns passos para trás ao fazer política de uma forma automática, como quem sai a campo para apurar mais uma reportagem de jornal diário. A estrutura do longa alterna depoimentos sobre a vida e origem dos catadores com seqüências que, inspiradas em Vertov, dão um quê abstrato ao processo mecânico de reciclagem. Nesses momentos, o diretor se liberta de um formato desgastado e faz cinema. Nos outros, frustra pela forma segura e unidimensional como encara um tema (a indústria da reciclagem) que merecia um debate mais amplo.