Festival de Brasília | O milagre de Santa Luzia
Sabemos que um filme é um filme, certo? Quase. No Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, um filme é principalmente um evento.
Impossível entender esta mostra sem levar em conta a atmosfera que cerca a exbição dos longas e curtas-metragens. Quando cineastas destacam a importância do público do festival, eles não estão fazendo campanha antecipada para votos do júri popular. Em tese, o termômetro da torcida não deveria contar na avaliação do que é exibido na tela do Cine Brasília. Mas, em muitos casos, soma pontos valiosos para o sucesso de um candidato aos prêmios principais.
Por aqui há o filme que “o público adorou”, o filme que “o público detestou” e o filme que “o público achou difícil”. Antes que alguém pergunte “que público é este?” (e não perguntem a mim, já que só vou conseguir rascunhar duas ou três simplificações bestas sobre o assunto), deixemos claro que, para o bem o para o mal, taí uma audiência acostumada a tomar partido.
Tudo isso para informar que, no primeiro dia de mostra competitiva, Brasília viu um desses filmes que contam com apoio irrestrito e apaixonado da platéia. O milagre de Santa Luzia é um documentário que não difere tanto daqueles que encontramos na programação de canais de tevês por assinatura. O que não seria exatamente um problema, mas pode parecer esdrúxulo que uma produção com ambições tão modestas (um filme-catálogo sobre as adaptações sofridas pela sanfona em diversas regiões do país) tenha sido tratada pelo público como uma espécie de Santo forte.
O fenômeno da supervalorização de filmes é comum em festivais de cinema brasileiro, e Brasília, para não fugir à regra, costuma receber os convidados com carinho muitas vezes exagerado. Sempre foi assim. Este ano, a história se repetiu logo no primeiro dia.
Aos que criticavam o excesso de documentários na competição (o que nem é uma questão a ser discutida ao pé da letra, já o importante é a qualidade dos filmes), a primeira sessão da mostra competitiva parece ter encerrado o debate. O público adorou. Aplaudiu seis vezes durante a projeção. Mas me pergunto: não haveria no filme questões mais interessantes que a da aprovação popular?
Quem freqüenta o festival há muitos anos notou que poucas foram as edições recentes que selecionaram um documentário tão convencional. Mas esses foram silenciados pelo coro da multidão.
O milagre de Santa Luzia | Sérgio Roizenblit | «
Entendo a comoção provocada por depoimentos de artistas como Patativa do Assaré e Sivuca (e as conversas são boas). Mas, para um documentário que pretende uma viagem musical pelo Brasil, me incomoda como o filme vê o país por uma janela tingida em cor-de-rosa.
Ao final da sessão, o diretor disse aos jornalistas que não aceita a idéia de filmar as mazelas do país. Quer mostrar um “Brasil maravilhoso”. É um projeto que pode soar duvidoso (nas andanças por cidades do Nordeste, será que o diretor só encontrou belezas?), mas que também parece honesto. Digamos que Roizenblit seja o Breno Silveira dos documentários – um diretor que, ao lançar um olhar ingênuo para a realidade, nos convence pela sinceridade do discurso.
Então tá: O milagre de Santa Luzia é um filme simples e sincero. Correto em todos os detalhes. Que não trai o tom otimista do diretor. O que vejo como um problema sério é como o documentário se contenta em preencher alguns “requisitos básicos” e acaba se esquivando dos principais desafios que ele próprio sugere. A tal “viagem musical” se resume a uma agenda de entrevistas com personagens famosos e/ou extravagantes. E a história da sanfona é apenas esboçada, sem muitos pormenores (talvez isso entediaria metade da platéia, mas trata-se de um filme sobre a sanfona, oras).
Tem tudo para se transformar no filme-xodó do Festival de Brasília. Calculado e cuidadosamente fotografado, eis o “Brasil real” que – incrivelmente – foi abraçado com entusiasmo pela cidade que consagrou Amarelo manga e O invasor. Isso eu juro que não entendo.
novembro 21, 2008 às 7:15 pm
Festival de brasília é um saco, só filme de merda.
novembro 26, 2008 às 4:47 am
“O Milagre de Santa Luzia” é um filmes simples, e aparentemente convencional, mas também sutilmente genial, de uma genialidade dificilmente identificável por observadores viciados no lugar comum atual. Seria divertido acompanhar seu constrangimento na revisão futura de suas críticas tacanhas e precipitadas. Parabéns aos responsáveis pelo filme.
novembro 26, 2008 às 12:14 pm
Paulo, seu filme “sutilmente genial” ganhou um premiozinho no Festival de Brasília: trilha sonora. E ninguém reclamou. Acho que é exatamente o que o filme merece.