Festival de Brasília | Abertura

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sbernardo

Parece até tradição: não existe Festival de Brasília de Cinema Brasileiro sem polêmica. Mas algo estranho parece ter acontecido na edição deste ano. Antes, os filmes provocavam controvérsia. Agora, o que se discute é a seleção dos filmes. 

Dos seis longas concorrentes na mostra de 35mm, quatro são documentários – os outros dois são filmes de ficção com forte inspiração do gênero. Filmefobia, de Kiko Goifman, é definido como “o making of de um documentário fictício”. Há um filme sobre a sanfona no Brasil. E outro sobre os índios Guarani.

Há quem defenda a comissão de seleção com o argumento (meio simplório) de que os documentários estão em alta e o festival soube captar essa tendência. Há quem a ataque com a suspeita de que o critério de ineditismo aplicado pela organização da mostra acabou prejudicando o público, que assistirá à rebarba de outros festivais.

Dá para concordar com um e com outro. Mas o que ouço por aí é que pouca gente tem esperança de encontrar um grande filme no cardápio da mostra. A ausência de cineastas conhecidos (e relevantes) e de temas minimamente curiosos chega a provocar frio na espinha. Ano passado fizemos filas para ver os filmes de Julio Bressane, Carlos Reichenbach e José Eduardo Belmonte. E agora? O máximo que temos é Kiko Goifman, um (imprevisível) Geraldo Sarno e um filme-jogo com 11 opções de desfecho.

Quem acompanha este blog sabe que (por motivos profissionais, mas também por uma quase obsessão) minha vida pára durante o Festival de Brasília. Até terça que vem, este será meu eixo. Reconheço que os quatro leitores deste sitezinho metido a bacana não estão nem aí para o novo longa de Rosemberg Cariry. Mas um festival (e este festival especialmente) nunca é feito só de filmes. Há também as insanas batalhas travadas entre repórteres e cineastas, para ficarmos num exemplo infame de uma história que costuma se repetir ano a ano.

Torço para estar enganado. É óbvio que o rapaz aqui, que enfrentará maratonas de trabalho enlouquecedoras, preferiria passar o tempo diante de bons filmes (a vida é breve). Só que nem sempre tenho esse tipo de sorte – e prometo não usar o blog como muro de lamentações. Quer dizer: vou tentar, ok?

São Bernardo | Leon Hirszman | « « « « 

Se podemos esperar o pior possível dos longas em competição, a boa notícia veio logo na abertura do festival. Foi uma das melhores em muitos anos. Desconfio até que tenha sido a melhor de que participei (e freqüento a mostra desde 1992). Exibido em cópia restaurada, São Bernardo ganhou a pompa que faz por merecer. É uma obra-prima, e espero que seja relançada também nos cinemas (o DVD chega às lojas esta semana).

O filme de Leon Hirszman, adaptação da obra de Graciliano Ramos, tem um quê premonitório. É uma alegoria para as trevas do capitalismo (muito antes de Sangue negro, o fazendeiro Paulo Honório é o self-made man bruto, mesquinho, condenado à solidão) que usa a narração em off do protagonista como um contrponto para as imagens de miséria e submissão provocadas por ele (muito antes de Tropa de elite, taí um filme cuja voz se opõe à do narrador). 

No início da sessão, a filha de Leon, Maria Hirszman, disse que se tratava de um filme “atualíssimo”. Está coberta de razão. Mas não é um filme que se mantém vivo apenas como reflexo dos jogos de poder na vida brasileira (e, se cumprisse apenas esse requisito, já seria formidável). O uso de planos longos e silêncios como recursos para abafar e assombrar o discurso do protagonista é uma lição para a onda de filmes ‘de arte’ que abusam de imagens lentas, mas sem estofo.

Enfim: uma preciosidade que deve ser redescoberta urgentemente. E um filme de ficção que é uma aula para os documentários sobre a vida brasileira que vemos por aí.

11 comentários em “Festival de Brasília | Abertura

    guilherme alves disse:
    novembro 19, 2008 às 5:24 pm

    odeio filmes-aula.

    mais sobre o apartamento, a galera ta pedinu.

    nobodygo disse:
    novembro 19, 2008 às 5:27 pm

    eu conto como um dos 4 leitores, né?

    Guga disse:
    novembro 19, 2008 às 5:57 pm

    Hahaha, desde que acompanho seus blogs, Tiago, vc diz que tem meia dúzia de leitores. E há sempre um novo aparecendo.

    Filipe disse:
    novembro 19, 2008 às 9:48 pm

    Bem, eu já ouvi comentários bem positivos sobre o filme do Kiko vindos de quem já viu.

    Diego Maia disse:
    novembro 19, 2008 às 9:48 pm

    O Tiago é drama queen nesse assunto de leitores. Chora à toa.

    Tiago respondido:
    novembro 20, 2008 às 9:58 am

    Filipe, é a grande esperança do festival.

    Diego, sem comentários.

    Bruno Amato disse:
    novembro 20, 2008 às 2:06 pm

    A julgar pelo número de comentários, vc tem mais leitores do que eu. Muito mais leitores.

    Michel Simões disse:
    novembro 20, 2008 às 4:11 pm

    Ansioso p/ ver São Bernardo, adoro o livro e só se fala da restauração na cobertura, talvez porque não se espera muito dos filmes até o momento!

    Tiago respondido:
    novembro 20, 2008 às 4:57 pm

    Michel, a cobertura do Festival de Brasília costuma ser meio exagerada. Mas, no caso, é um filme que merece todo o falatório.

    Michel Simões disse:
    novembro 21, 2008 às 3:52 pm

    Brasília conseguiu criar um estigma próprio, seus filmes, sua cobertura, mesmo que isso não signifique que os filmes sejam os melhores, mas eles fazem parecer que sim, né não?

    Tiago respondido:
    novembro 21, 2008 às 5:43 pm

    Isso. Exato.

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