Dia: novembro 15, 2008
O primeiro dia
Meu apartamento é muito engraçado. Não tem parede entre a cozinha e a sala, não tem box no banheiro (um banho de ducha equivale a um dilúvio), não tem fogão, não tem mesa nem espelho. Nenhum espelho. Saio do chuveiro e só deus sabe o estado do meu penteado.
Ainda assim (e talvez por causa disso tudo), entrei de manhã cedo e ainda não consigo sair daqui de dentro. Por mim, nem sairia. Não consigo me mover. São oito da noite. Logo no primeiro dia de mudança, ganhei um lar. Eu fico. Digam ao povo que fico.
Escrevo isso ainda impressionado, maravilhado com a forma como este apartamentozinho esquisito me ganhou. Foi no fim da tarde, por volta das 17h. Antes disso, nada ia bem. Eu estava no inferno. E um inferno econômico – que, descobri, é o pior tipo de apocalipse.
Parecia até piada. No mesmo dia, descobri que meu cartão de débito novo ficaria pronto em nada menos que um mês (enquanto isso, tento me acostumar com os avisos de erro de leitura nos caixas eletrônicos), que a revisão do carro sairia por uma soma desesperadora, que o seguro do automóvel vence segunda-feira e que (notem como a coisa só piora) uma escrivaninha mais ou menos decente sai por uns R$ 700. Decidi comprar uma mesa. Uma mesa e nada mais que uma mesa.
Comecei o sábado às voltas com a necessidade de organizar os trabalhos da rapaziada do caminhão de mudança e, mais ou menos ao mesmo tempo, fazer as compras de tudo o que é essencial para o meu dia-a-dia (no tapa, acabei descobrindo o que é essencial). E isso tudo num feriado (só descobri a existência da data comemorativa ontem à noite).
Durante a manhã, desejei sinceramente que o apartamento explodisse. Evaporasse. Seria uma boa desculpa para eu me livrar da decisão de morar sozinho e voltar para o chamego das asinhas dos meus pais. Pensei tanto nisso, e só nisso, que quase não dormi. Esqueci de todo o resto. Esqueci até que eu tinha um blog. Quando somei todos os meus gastos, notei que era um homem falido. Pensei em pedir desculpas para a mulher da imobiliária e desfazer o trato. “Posso assinar o contrado ao contrário?”, e era tudo o que eu queria perguntar.
Acho que foi o orgulho que me fez seguir adiante. Daí que, por volta do meio-dia, eu já estava arrumando meu novo apartamento – como quem joga as malas desejeitadamente na cama de um quarto de hotel. Desinteressado, fiz de conta que não era comigo. Aprendi todos os serviços domésticos em meia hora (algo digno de Guinness Book?). Às 13h eu estava limpando o chão com Veja, um esfregão e um pano encardido. Não sei se eu daria uma boa empregada doméstica, já que derrapei no banheiro e dei de joelho no vaso sanitário.
Quando vi a mini-montanha de caixas no meu quarto, pensei em jogar meus bens mais preciosos (i.e, CDs e DVDs) pela janela. Mas a janela é tão pequena que não serviria nem para o suicídio de um menino de três anos de idade (não que eu tenha pensado na hipótese, mas sei lá, Freud explica, talvez eu tenha me sentido imaturo e impotente como uma criança pequena, de qualquer forma a imagem do petiz suicida me veio à cabeça).
No fim da tarde, depois de ter limpado a sala, o banheiro e o corredorzinho tosco que não leva a lugar algum (mas que dá um bom escritório!), decidi ouvir música. Meu aparelho de som estava ali, jogado no chão (não há estantes por enquanto). Quer decisão mais corriqueira? Saquei meu CD-talismã e, em quinze minutos, o apartamento nasceu de novo. Era outro. Mais amplo, confortável. Meu quarto não parecia ser o quarto de outra pessoa. Não parecia um hotel. Aquela decoração banal dizia muito sobre mim.
Para aproveitar o momento, organizei com lentidão os pratos, os garfos, os copos e o abridor de garrafa. Dobrei as toalhas de banho, ajeitei o tapete da cozinha e o pano de prato. Eu precisava de tempo para entender o processo. O que havia acontecido? Acho que nada. Acho que o resultado da mudança, que parecia impossível, só ele, me mostrou que ainda posso assombrar as pessoas com grandes surpresas – no caso, a pessoa era eu.
Juro que quase caí no choro enquanto guardava o suco de laranja na geladeira (!).
Agora, aqui, neste momento, digito estes parágrafos sentado num tapete velho, apoiado na mesinha que servirá para o café da manhã, o almoço, o jantar, o jogo de baralho. Chove horrores. E é a quinta vez que ouço o mesmo CD. Não sei o que faz com que eu me sinta o homem mais realizado do mundo. Mas é isso. É só mais um sentimento engraçado que não dou conta de explicar.