Dia: novembro 4, 2008

Encarnação do demônio

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zedocaixao

Brasil, 2008. De José Mojica Marins. Com José Mojica Marins, Jece Valadão, Adriano Stuart e Milhem Cortaz. 91min. ***

Dizem que Encarnação do demônio, o tão adiado retorno de José Mojica Marins ao cinema, é um fracasso. Não aqui em Brasília, onde o filme foi exibido ontem – e apenas ontem – com salas lotadas e gritinhos de entusiasmo. No final da sessão, ganhou aplausos e tudo.

Para azar da Fox Films, que preferiu não lançar o longa-metragem na capital, existe sim um fã-clube do Zé do Caixão na cidade. Ele é heterogêneo (de metaleiros a dondocas amedrontadas, estavam todos lá), conhece minimamente a trajetória de Mojica e, o melhor de tudo, sabe se divertir com um ótimo filme de horror.

Claro que essa gente se sujeitou ao banho de sangue também por outro motivo: ele foi exibido a módicos R$ 2 num festival de cinema brasileiro bancado pelo Cinemark. Mas aquela platéia (imensa, o que prova que há algo bastante errado com os nossos ingressos inflacionados) poderia ter optado por Última parada: 174Ensaio sobre a cegueira, Era uma vez, Sexo com amor e Guerra dos Rocha. Meio escondido na programação, em apenas três horários, Zé do Caixão mostrou as garras.

A seita se encontrou numa sessão descontraída, com risadas misturadas a grunhidos de nojo e a alguns comentários em voz alta mais ou menos desencontrados. “O bom de filme brasileiro é que não tem esse negócio de dublagem”, ouvi alguém falar. Dois ou três comemoravam o fato de assistir pela primeira vez a um filme de Mojica no cinema. É o meu caso, aliás. Eu, que ainda não me perdoei por ter perdido uma mostra especial do CCBB, vi a maior parte dos filmes do cineasta nas madrugadas da Rede Manchete e em DVD.

O teste da platéia confirmou que, apesar da má vontade dos distribuidores, corre sangue quente nas veias de Mojica. É um cinema que renasce pulsante, pop, torto, engraçado, auto-referencial, capaz de brincar espertamente com os signos criados em torno de Zé do Caixão nos mais de 40 anos que separam este filme do início da trilogia, À meia noite levarei sua alma

Na mostra-relâmpago do Cinemark, é o prato que mais destoa do cardápio do cinema nacional (sim, havia Febre de bola, mas esse é outro assunto). É como se fosse necessário criar uma nova categoria para abrigá-lo. Mojica não atende às exigências das senhoras do circuito alternativo nem dos adolescentes e dos casais que superlotam o circuito comercial. A sensação de assistir a Encarnação do demônio nas poltronas acolchoadas do multiplex é a de se quebrar uma regra, de uma contravenção.

O descompasso traduz até a própria condição de Zé do Caixão dentro da trama do filme – aqui, ele reaparece como um demônio desnorteado que, depois de passar décadas na cadeira, encontra um país de pernas para o ar – por um lado, cada vez mais apegado às crendices que ele tanto abomina; por outro, um vale-tudo intolerante, brutal. Um filme de horror brasileiro é, aqui, necessariamente confuso – tente separar os mocinhos dos vilões.

A produção de Paulo Sacramento e dos Gullane – e a colaboração de Dennison Ramalho no roteiro – reforça o gore das cenas de tortura com cores contemporâneas (apesar de recorrente na obra do cineasta, esses momentos parecem agora quase mecânicos, redundantes, como se fossem elementos obrigatórios no filme), mas ela nunca vence o olhar de Mojica para o cinema de fantasia. Encarnação do demônio é um belíssimo filme de pesadelo – que fica ainda mais poderoso quando o diretor deixa a imaginação correr solta (como na seqüência da orgia selvagem de Zé Celso ou no clímax dentro de um parque de diversão).

Para uma parte do público – mais dedicada à obra de Mojica – é mais curioso reparar o jogo que ele faz com os filmes anteriores da série (e sabotar o desfecho de Esta noite encarnarei em teu cadáver é um golpe genial digno de Rogério Sganzerla, a quem o filme é dedicado) e como o longa às vezes parece um documentário sobre o legado de Mojica, sobre a força e a permanência da imagem de Zé do Caixão no imaginário do brasileiro.

Apesar de sessões como as de ontem, Encarnação do demônio será um filme brasileiro para pouquíssimos. Aqui em Brasília, ninguém sabe quando entrará em cartaz. Uma pena, já que deveria ser exibido na tevê aberta – tanto faz se num canal fajuto -, de preferência na hora do jantar.

Plantão FicBrasília

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canto

O papel afixado na bilheteria do Festival Internacional de Cinema de Brasília (FicBrasília) avisa que o filme O canto dos pássaros é em preto-e-branco e não é uma comédia. Entenderam bem? É em preto-e-branco. E não é uma comédia.

(No mais, taí o que acontece quando tento tirar uma fotografia com o telefone celular e comprar um ingresso ao mesmo tempo).