Mês: outubro 2008
Diário de SP | Liberdade
1 | Garanto que nada foi programado, mas esta viagem a São Paulo virou uma espécie de greatest hits, de compacto dos melhores momentos, de compilação sentimental, de reencontro forçado e desesperado com os cantos favoritos de uma cidade que, apesar de conhecer como o dedão do meu pé (não tão bem, mas o identificaria num close), passei a rejeitar talvez por uma questão de orgulho ferido. São Paulo não me quer, vocês sabem, mas cá estou, camuflado na multidão. Passei quatro dias em uma missão de reconhecimento. Que termina agora.
2 | Última estação: Liberdade.
3 | Lembro que há mais ou menos cinco anos, quando eu era um adulto que se sentia recém-nascido, vim de férias a São Paulo. Sozinho, depois de passar uma temporada curta no Rio de Janeiro. Os dias na casa do meu pai foram, no mínimo, cansativos (como sempre são). Imaginei que meu descanso começaria de verdade quando eu desembarcasse em São Paulo. Acabei esmagado no mesmo hotel-duas-estrelas onde estou neste exato momento, entre putas e marombados, mendigos e a banca Princesinha. Onde a Rua Augusta faz a curva.
Me restava uma semana de viagem e, lançado numa cidade desconhecida e aparentemente hostil, me descobri numa situação inédita: eu me sentia imóvel, paralisado no quarto, sem coragem de fazer o percurso entre a cama e o banheiro. Da janela eu via apenas uma série de outras janelas, linhas verticais e horizontais de janelas e outras janelas. Quando cometi a ousadia de enfrentar a portaria, quase fui atropelado por um motoboy. O primeiro dia passou assim, nessa síndrome de não sei que nome.
Decidi que trocaria minha passagem no dia seguinte. Eu estava numa fase complicada da vida, desastradamente apaixonado por uma mulher que não queria saber tanto assim de mim (pelo menos não naquele momento já que, segundo ela, sofríamos da crise de timing, habitávamos mundos diferentes etc), e tudo o que eu queria era voltar para casa. As férias tinham perdido a graça. Eu queria voltar para casa. Estava tudo perdido quando uma amiga que morava na Aclimação me convidou para um passeio num bairro ‘fantástico, você vai ver’. No meio da tarde, lá estava eu na Liberdade.
Conheci as ruas estreitas de decoração avermelhada, os restaurantes de teto baixo, a varanda temática do McDonald’s e todos os detalhes a que os turistas têm direito. A partir dali, minha relação com a cidade sofreria uma transformação. Era como se, com alguma noção das linhas de metrô, eu estivesse apto a dominar o ambiente. A sair da caverna com meu tacape. A explorar. Curioso que esse estalo tenha ocorrido exatamente num lugar chamado Liberdade. Mais curioso ainda que eu tenha parado lá hoje, no início da tarde, pronto a refazer aquele percurso de cinco anos atrás.
Foi o que fiz. Comprei até um saco de balas de lichia e um picolé de melão – e tomei um sundae no McDonald’s (um batalhão inimigo que costuma bombardear cruelmente meu intestino). Terminei a tarde livre de algumas lembranças que me afastam desta cidade e pronto para encontrá-la novamente, do zero. Antes de entrar na estação de metrô, caiu uma chuva fina que (coincidentemente) talvez tenha sido a mesma que caiu naquela tarde de um outro dia do mês de outubro. Ninguém viu, ninguém quis saber. Quando passei pela ponte onde se aglomeram os vendedores de DVDs pirata, fiz as pazes com São Paulo.
4 | Mas isso não é nada importante.
5 | Ao que interessa: a Mostra de SP começa amanhã. Será um dia corrido. Provavelmente só conseguirei atualizar o blog sábado, e mesmo assim com notas mais curtas que estas aqui. O detalhe é que, pelo menos para mim, a mostra já começou. E meu segundo filme foi…
Um homem bom | Vicente Amorim | *
O primeiro projeto internacional do diretor de O caminho das nuvens é um drama de época falado em inglês sobre um professor íntegro e responsável que, ao sabor das circunstâncias, é promovido a oficial nazista. Nas quase duas horas de filme, o que vemos é um herói desnorteado, sem a noção do tamanho da tragédia em que está metido. É um perfil psicológico sobre alienação e responsabilidade moral que depende muito da perfornamance de Viggo Mortensen (correta, não mais que isso). Só que isso é o que está no papel – na prática, o filme demonstra um esforço colossal para justificar a ignorância de um protagonista, no mínimo, inconsistente.
Quero muito saber como o filme será recebido na Alemanha, onde nazismo ainda é tratado com o devido maniqueísmo. O que mais me incomodou foi o formato da narrativa – polido, conservador. Como conversei com o Diego ao fim da sessão, filmes quadradinhos me entediam em quase tudo (prefiro assistir a um longa desastrado, mas corajoso, que esse tipo de produção by-the-numbers – e, nesse ponto, a culpa é mais minha que dos filmes). Difícil negar que Amorim tenha feito um trabalho competente. Mas é uma competência definida a partir de alguns padrões que pertencem mais ao universo dos telefilmes que ao de filmes que ousam fugir do riscado.
6 | Daí que, agorinha mesmo, revi Canções de amor e o musical melhorou incrivelmente. É quase como comparar tomates com batatas, é com as arestas do filme de Honoré que eu fico. Até a trilha, que soou raquítica numa primeira sessão, ganhou corpo e saltou da tela. Sabe-se lá como, mas a quadrilha de Drummond foi evocada e traduzida à perfeição por um DJ francês dos nossos tempos. Prometo rever Em Paris assim que eu tiver algum tempo.
7 | Cinéfilos se olham com desconfiança. O que há de errado com eles?
8 | (Atualização, sexta pela manhã) E chega de frescurada. No show do Mudhoney ontem à noite, na Clash, bati cabeça, entrei na roda de pogo e quase fui hospitalizado depois de partir para a porrada (saudável) com uns moleques vestidos com camisa de flanela. Me senti com 13 anos de idade num porão em Seattle (e essa foto toda retorcida aí em cima explica meu estado de espírito).
Mas, apesar do clima de clube dos cafajestes, não foi um showzão. Não foi uma tempestade de emoções. Não foi uma farra no túnel do tempo. Não. Foi até um tanto decepcionante, já que o som baixo (um problema que não assola apenas as casas de Brasília) limou mais ou menos 60% da potência da performance. Para vocês terem uma idéia, a passagem da banda na arena do Porão do Rock, ano passado, foi bem mais barulhenta e virulenta (e eles costumam render mais em espaços pequenos e fechados). As músicas do disco novo não me entusiasmaram, mas prometo ouvi-lo com carinho. Emocionante mesmo foi ver o MQN tocando uma cover do Mudhoney diante da própria banda, que assistia ao espetáculo ao lado do palco. Pagou o ingresso.
Diário de SP | No metrô
1 | Atenção. Não segure as portas. Setenta por cento dos atrasos do metrô são provocados por pessoas que seguram as portas.
2 | O metrô de São Paulo às vezes dá nos nervos, não?
3 | Atenção. Não segure as portas. Setenta por cento dos atrasos do metrô são provocados por pessoas que seguram as portas.
4 | Mas aí ele pára na Estação da Luz e…
…a cidade muda. Dá gosto. O paraíso é aqui. Para este forasteiro, o melhor de São Paulo está nesta foto borrada de telefone celular. Na estação de trem, que me lembra das cinematográficas viagens que eu fazia quando pequeno, no vagão-leito, com pai e mãe, saindo da Central do Brasil. E no contraste entre essa catedral e aqueles prédios mais decadentes, que desabam no fundo da paisagem.
5 | Atenção. Não segure as portas. Setenta por cento dos atrasos do metrô são provocados por pessoas que seguram as portas.
6 | Mas a síntese perfeita da cidade está sob a terra, nos corredores largos do metrô. A cidade treme. Um passo menor que o outro. Para me convencer de que eu estou de férias, experimentei parar diante de uma pilastra e perder o trem. É. Perder o trem. Taí uma ousadia que nenhum paulistano perdoaria. Eu seria excluído do sistema de venda de bilhetes – para sempre, sem retorno, sem perdão. O trem passou e eu fiquei lá, estático, pensando na vida, no leite derramado, nos grilos do quintal, nos galos que cacarejam no prédio ao lado (onde será que eles ficam, na cobertura?).
7 | – alô, quem fala? – é o tiago – ai, desculpa, liguei pro quarto errado.
8 | Atenção. Não segure as portas. Setenta por cento dos atrasos do metrô são provocados por pessoas que seguram as portas.
9 | No Museu da Língua Portuguesa, dois meninos skatistas de cabelos verdes e correntes e botas assistiam à exposição sobre Machado de Assis. Nos filmes de Gus Van Sant, chamariam essa imagem de licença poética.
10 | Por que toda homenagem a Machado de Assis tem que ser forçadamente bem-humorada?
11 | “A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote e adeus” (mas abrir a mostra com esse trecho de Memórias póstumas de Brás Cubas é um achado – meio óbvio, mas um achado).
12 | Vi o meu primeiro filme da Mostra de SP. Que é…
Mil anos de orações | Wayne Wang | *
Um filmezinho singelo sobre um simpáico velhinho chinês de férias num daqueles bairros-maquete dos Estados Unidos. As estruturas das casas são tão frágeis quanto a do longa-metragem, um conto de contrastes culturais e conflitos familiares que já vimos, já conhecemos e que investe numa narrativa adoravelzinha, simplezinha, quase anêmica. “Estados Unidos é igual a água fria”, filosofa nosso querido ancião. “Machuca o estômago”, conclui. E é o máximo que consegue Wang, muito adaptado aos humores do governo chinês, em matéria de comentário social.
13 | Atenção. Não segure as portas. Setenta por cento dos atrasos do metrô são provocados por pessoas que seguram as portas.
14 | Mas comparado a As duas faces da lei, trata-se de uma pérola do cinema oriental. O filme-evento promovido por Robert de Niro e Al Pacino nem merece uma foto – é um thriller tão ordinário e tosco quanto aquelas pequeninas academias de ginástica da Rua Augusta. É um espetáculo tão macho e descerebrado que, se pudesse, arrotaria e coçaria os bagos de cinco em cinco minutos. Imagino o que Antônio Abujamra, que assistiu ao filme na mesma sessão, teria a dizer sobre a bagaceira. Deixa um comentário aí, Abu!
15 | No dia mais quente do ano, a bolsa não pára de cair e o Festival de Brasília me apareceu com uma escalação mal-assombrada, de tirar o sono. Só espero que o PCC não se manifeste.
16 | Atenção. Não segure as portas. Setenta por cento dos atrasos do metrô são provocados por pessoas que seguram as portas.
17 | Sinto saudades da minha namorada – mas talvez a recíproca não seja verdadeira.
18 | “Minha mãe me parecia horrendamente conformista e irrecuperavelmente obcecada com o dinheiro e as aparências; meu pai me parecia alérgico a qualquer tipo de diversão. Eu não queria as mesmas coisas que eles. Eu não dava valor ao que eles valorizavam. E estávamos todos igualmente infelizes naquele carrossel, e éramos todos igualmente incapazes de explicar o que acontecera conosco” (A zona do desconforto, Jonathan Franzen, página 35).
19 | E aqui, por hoje, seguro a porta.
Diário de SP | Um dia, um encosto
1 | Aconteceu, meus amigos. Dois dias em São Paulo e tropecei nos dois seres mais exóticos (talvez bizarros, mas não sejamos politicamente incorretos) da cidade.
Meet Tony, um personagem que você não encontra em seriados da HBO (para preservar a identidade dessa turma e evitar um processo por danos morais, todos os nomes desta crônica doentia são fictícios, exceto o meu). Tony, um quarentão rechonchudo que poderia ter interpretado Truman Capote no lugar de Philip Seymour Hoffman. Tony, um homem muito simpático, de agudos mui extravagantes, que caminha por São Paulo amparado por uma muleta de madeira. Tony, em busca de novas amizades.
Meet Hilda, uma personagem que você talvez encontre em um episódio de Weeds. Aérea, deslocada no tempo e no espaço, Hilda faz movimentos vagarosos com a cabeça como quem vive uma cena em slow motion. Hilda, a mulher que deixa sentenças pela metade à espera de uma boa alma que as completem enquanto caminha por São Paulo amparada pelo amigo Tony. Hilda, em marcha lenta.
Meet Tiago Superoito, o forasteiro.
Era fim de tarde. A terça-feira ainda fervia em 32 graus. Depois de bater perna pela cidade em um dia dedicado a exposições de arte (duas delas inexistentes, mas errar é humano) e excessos gastronômicos, eu, Tiago Superoito, decidi me esconder do mundo abraçado pela névoa fria de uma sala de cinema. Comprei um ingresso para Acidente, exibido no Cinesesc. Sentei-me na poltrona azul do hall, tirei a edição especial da Piaui da mochila e, faltando quinze minutos para o início da sessão, comecei a lê-la. A paz…
… não durou muito tempo, entretanto.
Como o vulto apressado de um Teletubbie obeso, Tony quicou no foyer do cinema e, em não menos que dez segundos, a muleta de madeira quase perfurou minha coxa.
– Posso sentar aqui?, ele perguntou, e era o caso óbvio em que não havia como dizer não. A sala de espera estava completamente vazia, mas, sabe-se lá por que razão, ele queria a poltrona exatamente ao meu lado.
A especialidade de Tony, eu descobriria mais tarde, é provocar situações constrangedoras que evocam um misto de tentativa-de-forçar-amizade com falta-absoluta-de-noção. E nos deixam sem respostas.
– Pode, claro, a poltrona tá vazia, eu disse, e continuei a ler a minha revista com a formalidade, a educação distanciada e a frieza que uma cidade grande exige. Cada um no seu quadrado, já dizia o refrão.
– Você sabe qual é a sinopse do filme?, ele perguntou. Eu estava prestes a pedir que ele levantasse a bunda branca da poltrona e lesse o papel afixado no mural próximo à bilheteria. Mas observei a muleta de madeira, pensei na minha disposição para fazer novas amizades e preferi um tom mais amigável que combina com a minha origem. Sou carioca e cariocas, por definição, puxam papo.
– É sobre vinte cidadezinhas de Minas Gerais. Os nomes das cidades formam um poema e o filme é sobre a criação desse poema. Entende?
Talvez eu tenha sido atencioso demais, já que a simples descrição da premissa do filme fez com que Tony passasse a me tratar como um melhor amigo. Ou, mais perigosamente, como alguém ainda mais próximo que um melhor amigo.
– Nossa, que história mais criativa, intrigante, ele exclamou, e a palavra ‘intrigante’ pronunciada com aquela voz finíssima poderia estar num filme sobre a era vitoriana.
– É.
– Quem é o diretor, hein?
– É o Cao Guimarães.
– Ah, sim, sim, sim (foram cinco ou seis ‘sim’), conheço. Ele às vezes acerta e às vezes é subjetivo demais, demais, demais.
A amiga Hilda, que finalmente acordou do sono profundo e passou a participar da conversa, perguntou ‘mas o que é ser subjetivo, Tony?’
– Essa é a Hilda. Ela é uma antiga amiga. Somos artistas plásticos. Qual é o seu nome mesmo?
(Longa pausa em que eu, Tiago Superoito, pensei se deveria dizer Jonas ou Bruno. A muleta continuava a apertar minha coxa)
– É Tiago.
Pularei o longo interrogatório que seguiu minha resposta. De onde você vem? O que você faz? Mas parece tão novo! Onde trabalha? Um jornal respeitado! Toma aqui meu cartão, será que rende reportagem? Por que está em São Paulo? Mas a mostra não começa só sexta-feira? Ah, claro, sim, oh, você é tão precavido.
Hilda participava dos assuntos com acenos de cabeça. Do questionário, Tony passou a um tipo mais íntimo de conversa. O tempo que levamos para chegar até lá? Uns cinco minutos.
– No meu cartão, aqui embaixo, tem meu telefone. Nós vamos sair depois do filme.
– Não! – eu reagi, mas depois imaginei que eu poderia ser rotulado de grosseiro e optei por uma negativa mais amena – Tenho compromisso.
– E amanhã?
– Outro compromisso.
– E depois?
– Compromisso todo dia.
Abri a revista como quem hasteia uma bandeira branca. Ele continuou com a guerra.
– Você tá sozinho? Num hotel?
– Não. Na casa de amigos.
– Hilda, Hilda, ele não é tão tranqüilo?, e aí já comecei a suspeitar que a dupla atraía viajantes incautos para um porão na Bela Cintra, onde os submetiam a infilmáveis sessões de tortura. Também lembrei de contos de fadas macabros do estilo João e Maria.
– Sou. Tranqüilo. Muito tranqüilo. A sessão tá pra começar.
– Eu e a Hilda andamos juntos toda hora. É tanto que as pessoas pensam que somos casados. Mas nós não somos casados não, viu?
– Claro.
– Tiago, olha: eu sou sagitariano e a Hilda é de Áries. Qual é o seu signo?
– Leão.
– Hmm. Leoninos são tão enigmáticos. São sempre uma surpresa.
– Não acredito nessas coisas – e voltei à revista.
Fiquei imaginando por que raios o tiozinho havia me tirado para presa. Está certo que um sujeito que passa a terça-feira em exposições de arte, almoça no restaurante do Masp e aguarda o início de um filme de Cao Guimarães lendo a Piaui envergonha o mundo hétero, mas nenhum desses detalhes deveria significar que eu estaria louco para cair no colo de um macho. Depois de adiar a intervenção cirúrgica, finalmente apelei quando ele pediu novamente, assim, na cara dura, com consentimento da Hilda, para sair comigo:
– Minha namorada tá chegando. Ela vem logo, daqui a uns dias. (eu não estava mentindo, mas sublinhei a palavra namorada).
– Mas e hoje à noite?
Foi quando, a dois minutos para o início do filme, levantei-me, apertei a mão do meu amigo atirado, acenei para Hilda e avisei que estava na hora, o filme ia comecar, até mais, prazer em conhecer, vou levar o cartão pra Brasília e entregar para a repórter que cobre artes plásticas, quem sabe, vai que ela emplaca alguma coisa. Tchau, boa sorte.
– Liga, tá?, ele ainda tentou, escorregadio feito uma enguia.
Vi o filme na terceira fila, atento a qualquer barulho suspeito. No fim da sessão, como eu me portaria? Pensei em me esconder sob as poltronas do cinema, mas seria ridículo. Pensei em abandonar a sessão pela metade, mas o filme não era ruim. Pensei em pedir socorro, mas Tony e Hilda eram serial killers frágeis demais para despertar alguma aflição. Pensei em um ataque ríspido, mas me acusariam de homofobia e, naquele ambiente, eu provavelmente sairia perdendo. Assim que os letreiros finais subiram na tela, agarrei minha mochila e disparei na velocidade da luz.
Sobrevivi, mas não retorno ao Cinesesc antes da mostra.
2 | Antes dessa sessão acidentada, vi Caos calmo, um filme italiano com Nanni Moretti que aparenta ser um prolongamento de O quarto do filho (desta vez o protagonista perde a mulher repentinamente), mas provoca o efeito contrário. Em vez da simplicidade comovente, o que temos é uma aparência de simplicidade arrancada a fórceps. O diretor Antonio Grimaldi é um assombro, desajeitado em quase tudo – as inserções truncadas de música pop na trama (Rufus Wainwright, Radiohead) sintetizam os problemas do filme.
3 | Pela manhã tentei ir a uma exposição no Ibirapuera. Tentei, já que a exposição não existia. Passei trinta minutos andando na pista, entre ciclistas, patinadores e alunos de escolas públicas. Num delírio meu, uma daquelas criancinhas me perguntava: ‘tio, o que você está fazendo aqui?’.
4 | Pela janela do meu quarto ouço cães latindo e galos cacarejando. Me sinto em casa.
Diário de SP | Superoito e a cidade
1 | Primeiro dia de férias em São Paulo. E a cidade está tranqüila.
2 | Quer dizer: parece tranqüila. Assim que saí do hotel, tirei meu relógio e guardei na mochila. Por via das dúvidas.
3 | E seria seguro caminhar à noite até o hotel-duas-estrelas? Sinceramente, não faço idéia. Hoje fiz o teste. Passei por um posto de gasolina, um beco sem iluminação, duas academias de ginástica (bastante suspeitas), doze botecos, três puteiros e quatro ou cinco lan houses. Não sei no que estou me metendo.
4 | Como sempre, a cidade parece maior, mais crescida, desgovernada, um mundo. Há mais pessoas nas ruas? Por uma questão de adaptação ao ambiente, ainda não tentei o metrô.
5 | Encontrei o Diego. Que, como de costume entre os moradores de São Paulo, corria esbaforidamente para resolver problemas urgentes que não ficarão para amanhã. Me dêem dois dias: prometo entrar no ritmo.
6 | Na credencial da Mostra de São Paulo, saí com aquele meu típico olhar de espanto. ‘O que estou fazendo aqui?’, gritava a foto. Nem eu sei.
7 | Meu jet lag emocional: ‘Taí seu sanduíche’, disse a atendente. ‘Mas é de frango?’, perguntei. ‘Não. É de carne’. ‘Mas é de frango?’ ‘Não, meu senhor, é de carne.’ ‘Mas é de frango?’ ‘Não. Carne.’ ‘Então não é de frango?’
8 | Fatal | Isabel Coixet | **
E um filme, pra variar. Ainda não estamos diante de uma grande adaptação de Philip Roth (talvez para ressaltar o texto original, a cineasta se ausenta, se esconde). Mas, apesar de cometer o sacrilégio de transformar um livro tão amargo num melodrama choroso, soa igualmente duro na forma como olha para a velhice – não sai pela tangente, e deixa que Ben Kingsley cuide do resto.
9 | Desatento, descobri ontem que encaixotei todos os meus livros. Todos. De última hora, comprei dois para ler durante a viagem: A zona do desconforto, de Jonathan Franzen, e Em Brasília, 19 horas, de Eugênio Bucci. Estou começando, mas recomendo. Os dois.
10 | E comecei a ouvir o novo do Metallica. Só pra (me) contrariar.
Quatro discos e pé na estrada
Na pressão, bem rápido, sem rigor, quase no automático, enquanto arrumo as malas para a viagem a São Paulo.
Another world EP | Antony and the Johnsons | **
A prévia do álbum The crying light, programado para 2009, me deixa dividido. De um lado, é bom saber que Antony Hegarty retorna mais inquieto que aborrecido (a melhor prova de que o sujeito anda uma pilha de nervos é Shake that devil, que parece um blues-rock do Morphine). De outro, as músicas mais novas (entre elas o primeiro single, Another world) repetem quase literalmente os temas e climas do disco anterior, batem na mesma tecla. De uma forma ou de outra, a tristeza não tem fim.
Furr | Blitzen Trapper | **
O sexteto de Portland talvez seja a melhor banda verdadeiramente derivada de Super Furry Animals. Nada errado nisso. Aqui eles provam mais uma vez a disposição de trafegar por praticamente todos os gêneros da música pop sem perder o bom humor. Lançado pela Sub Pop, Furr pode ser menos hiperativo e imprevisível que Wild mountain nation, mas soa tão aventureiro quanto. Se aproxima de um formato que podemos chamar de convencional – mas felizmente ainda não chega lá.
Acid tongue | Jenny Lewis | **
Se o primeiro álbum solo de Lewis, Rabbit fur coat, surpreendia por não contentar os fãs do Rilo Kiley com um típico projeto paralelo feijão-com-arroz (a menos que eles esperassem por uma ode ao gospel), o segundo coloca trata de arrumar as peças no tabuleiro. Acid tongue é nota 10 em comportamento, mais sortido e equilibrado, quase-quase uma Sheryl Crow. E com surtos de soft rock daqueles que encontramos na fase pop do Rilo Kiley (e tomamos como ironia, por falta de opção).
Lightbulbs | Fujiya & Miyagi | **
Quando somou um baterista à formação da banda, o Fujiya & Miyagi avisou que buscava uma sonoridade mais calorosa, mais “humana”. É essa a chave para Lightbulbs. Ainda que o baterista não participe ainda de quase nada, já estamos diante de um álbum de carne e osso, mais para o pós-punk dançante do LCD Soundsystem que para qualquer gênero de eletrônica. A reverência obsessiva ao Kraftwerk começa a cansar, mas é um álbum tão modesto e direto, e com refrãos tão acessíveis, que fica difícil resistir.
*
E não há melhor: a música das minhas férias será The tears and music of love, do Deerhoof. Meus heróis.
Caixas
Passei o dia arrumando minha vida em caixas. Estou de mudança.
Conheço bem esse processo de juntar as tralhas, organizar a bagunça, lacrar as embalagens de papelão, esvaziar o quarto. Não sei se vocês se importam com o ritual, mas para mim sempre foi um momento intenso. Sou dos que encontram uma foto perdida, um livro preferido, uma fita cassete com um programa de rádio que gravou aos cinco anos de idade, uma carta de amor com vírgulas nos lugares mais errados. Essas coisas. Lembranças.
Talvez minha resistência a trocar de casa venha daí. Do medo de voltar a esse momento de encaixotar meu quarto. E de saber que, na poeira, vou encontrar algo surpreendentemente estranho.
Mas hoje foi diferente. Não encontrei nada.
Verdade. Foi como se eu estivesse esvaziando a vida de uma outra pessoa. Ou mais impessoal que isso. Como se eu trabalhasse no estoque da Wal-Mart, de luvas e macacão branco. Ou no Makro, em meio àquela pilha de enlatados. Eu e as caixas. Só rotina, movimentos repetitivos, sem sentimentos fortes no pacote.
Encontrei até uma foto antiga. Eu vestido de Rambo, aos oito. Com faixa vermelha na testa e camiseta preta, calça camulflada. O olhar mais triste do mundo – não me comoveu. Não sinto saudades. Não quero voltar para lá.
Olhei para meu quarto depenado e parecia uma instalação. A bienal do vazio. Paredes brancas, estantes desenhadas como um jogo de dominó. Posso ir embora?
E essa sensação me explica que chegou a hora. Estou de mudança.
Sticky and sweet
Meu padrasto comprou um telefone celular novo. Dos modernos. Tão multifunções que, há três noites, ele leva o objeto para a mesa de jantar e, de óculos, seríssimo, tenta um contato imediato.
Agorinha mesmo ele se esforçava para escolher o toque de chamadas. Zilhões de opções. Uma loucura. Testou a campainha retrô (que me lembra novelas de época), não gostou. Chegou perto de se interessar pelo ruído à máquina de pinball. Mas acabou emburrado. Zapeou pelo tecnopop meio Information Society, que disparou num volume altíssimo. Fez cara feia. Mordeu um caju. Ajeitou o óculos. E aí esbarrou no refrão:
– You always love me more, miles aw –
(bruscamente interrompido)
– Credo.
E taí: a primeira vez que meu padastro, o único brasileiro que não faz a mínima idéia do que seja The sticky and sweet tour, ouviu com alguma atenção um hit da Madonna. E foi como se nada, nada tivesse acontecido.
Críticos
Deu no blog do Marcos Mion:
Como dizem: quem sabe, faz, quem não sabe ensina e quem é tão frustrado por nem isso conseguir, vira crítico.
Fico imaginando se o sonho de todo crítico seria tirar a roupa no palco do VMB.
Blogfobia
Uma dessas situações estranhas da vida: no meio de uma tarde qualquer, no trabalho, você nota que o sujeito do computador ao lado descobriu seu blog. E está lendo-o.
Você morre de vergonha. E não se pode fazer nada contra isso, já que a rede está em todo lugar. No máximo tenta contextualizar o objeto virtual, garantir a ele algum sentido, um espaço no mundo, uma ordem, uma epígrafe, uma linha-do-tempo, um testemonial. Um rastro, pegadas.
– Meu outro blog era mais interessante (eu e a minha velha tendência à auto-depreciação)…
– Ahn.
– … era mais constrangedor (como se isso importasse)…
– Ahn…
– …aí um dia acabei com ele (e é uma historinha entediante)…
– É?
– …e este novo é só um esboço para alguma outra coisa que não sei qual (como se houvesse outra coisa)…
– Hmm.
– Mas não sou eu, é um personagem! (o tiro de misericórdia)
– Meio chato ler na sua frente, né? Termino em casa.
Aí torci por uma versão atrasada do bug do milênio. E para que a crise das bolsas de valores afetasse finalmente a rede mundial. E me lembrei do quanto nunca quis ser a Paris Hilton. Nem o Daniel Galera. Nem ninguém famoso. Nem ninguém minimamente conhecido. Nem a Clarah Averbuck. Se o Murilo Salles tocar a campainha aqui de casa, faço de conta que não estou.
Mas, felizmente, blog é aquela coisa: há sempre o caso do leitor que detesta, toma raiva, fica enfezado e nunca mais volta. Nos meus surtos de blogfobia, vivo me apegando a essa possibilidade.
In Ear Park | Department of Eagles
Estou só na quarta audição de In Ear Park e já posso avisar com toda a segurança: vale por um novo álbum do Grizzly Bear.
E você ainda não sabe o que é Grizzly Bear? Meu neguinho, lamento. Só lamento.
Trata-se da banda perfeita de freak folk para quem não suporta as loucuras do Animal Collective e as digressões de Devendra Banhart. Eles vivem com a cabeça nas nuvens, mas sabem a hora certa de baixas as asinhas e voltar para casa.
Projeto de Daniel Rossen (com o colega de quarto Fred Nicolaus), o Department of Eagles será acusado de caminhar com as galochas do Grizzly Bear (apesar de ter nascido primeiro). Não deixa de ser uma verdade (que a crítica indie, favorável ao grupo, fará questão de esconder). É uma banda que também sonha em gravar um álbum tão doce e inventivo quanto Smile, de Brian Wilson, ou The madcap laughs, do Syd Barrett.
Apesar de soar sim como um projeto paralelo, o Department of Eagles de certa forma expande o potencial pop do Grizzly Bear. No one does it like you, por exemplo, é quase um irmão de Knife – são como dois hits sessentistas de grupos vocais distorcidos pelas lentes de um produtor de indie do século 21. Já a faixa-título, com ares de conto de fadas, presta o tributo a Van Dyke Parks que se espera de Rossen e de todo o povo que, hoje em dia, vive às custas de antigos símbolos da psicodelia.
As referências parecem todas muito simples e muito fáceis, mas vale notar que o especial no Department of Eagles (e no Grizzly Bear) é que essa é uma banda apaixonada pelo artesanato da canção – tal como o Fleet Foxes, para ficarmos num exemplo mais próximo. In Ear Park é um disco cheio de detalhes, desvios, atalhos e corredores – mas que, com o tempo, se leva no assobio. Um álbum pop que não se contenta com as obviedades do pop.
Num mundo de melodias óbvias, soará como uma esquisitice. É.
Segundo álbum do Department of Eagles. 11 faixas, produzidas pela própria banda. 4AD. ***
Eu sou neguinho
Entrevistei o Jorge Fernando hoje. Perguntei aquelas coisas de sempre. Mas aí o clima pesou. Não sei em que momento, acho que quando falei dos críticos.
Ele me saiu com esta:
– Meu neguinho, deixe de ser preconceituoso!
Fiquei branco. Pensei nos dois dias que faltam para minhas férias, larguei um intervalo constrangido no ar e, pacientemente, continuei a entrevista.
Offend Maggie | Deerhoof
Deerhoof, a melhor banda que você não verá no Brasil em 2008.
Num primeiro momento, os fãs do Klaxons estranhariam os riffs secos, envelopados a vácuo por John Dieterich. Já a seita de Marcelo Camelo faria pouco caso da “japinha que canta esquisito”. Mas, no caso do Deerhoof, a primeira impressão é a que passa. Na quinta música, aposto que Satomi Matsuzaki conquistaria o apoio de alguma torcida. Três ou quatro pessoas – mas cada epidemia tem o ritmo que a convém.
Falem o que quiserem sobre eles. Qualquer bobagem. Não confio em ninguém que tenha ouvido menos de três discos deste trio – agora quarteto! – de San Francisco, Califórnia.
Um álbum após o outro e, com o tempo (e reconheço que alguma paciência), Matsuzaki soará como a voz mais doce do indie norte-americano. Para quem, assim como eu, descobriu o Deerhoof a partir de The runners four (2005), a aproximação se mostrou um pouco mais tranqüila. O próximo álbum, de 2007, se chamou Friend opportunity. Entendi o recado: são discos tão amistosos (já que brincam com referências de punk rock, psicodelia e hard rock setentista) quanto temperamentais (já que nada, nenhuma melodia pára em pé).
Numa primeira audição, Offend Maggie não acrescenta muito a esse joguinho de extremos. Ao contrário de Friend opportunity, que soava compacto e direto, é um disco mais esparramado, com mais portas abertas que fechadas. O conjunto das faixas é coeso (e poucas vezes foi tão agradável, tão simples ouvir um disco deles), mas cada canção parece narrada como uma aventura completa, com começo e fim.
Duas mudanças na estrutura do grupo explicam a sonoridade do disco. Primeiro, existe um novo guitarrista – e ele provoca algumas pequenas revoluções na cozinha do Deerhoof. Ed Rodriguez cria uma teia ora dissonante ora melodiosa de riffs que às vezes quase descamba para improvisos jazzísticos, às vezes remete ao Sonic Youth dos anos 90 (ouça Numina O, por exemplo).
A outra transformação é que, ao contrário de entrar no estúdio com poucas idéias e desenvolvê-las durante a gravação, a banda ensaiou várias das músicas durante a turnê do disco anterior. O desafio da vez foi elaborar os arranjos sem perder a aura de espontaneidade. Talvez venha daí a sensação de que Offend Maggie soa descomplicado (pelo menos para os fãs), quase acomodado, avesso a explorar novos territórios musicais. É que, desta vez, o Deerhoof prefere olhar para dentro, rever posturas, aparar arestas à procura de um discurso auto-consciente. Em resumo: eles querem se livrar da desculpa de que escrevem música num tresloucado fluxo de consciência.
Talvez nunca tenham escrito – mas Offend Maggie deixa o processo muito mais claro. Como uma extensão de Friend opportunity, Dieterich continua a embalar riffs gigantescos em pequenos pacotes (e The tears of music and love é tão monumental e viciante quanto o título sugere). Mas são os pequenos detalhes que ainda nos confundem: como as letras em japonês de Matsuzaki, o acento folk da linda Buck and Judy, os violões dedilhados de Family of others, a falta de semancol de uma banda que oscila entre a gozação mais esdrúxula (Basket ball get your groove back) e um épico em tom menor (My purple past).
Numa terceira audição, o álbum vira monstro.
O Deerhoof é uma banda que, apesar de cada vez mais decifrável e humanizada, cada vez mais gente-como-a-gente, continua um mistério. Pelo menos para mim. Quanto mais cresce, mais escapa do meu campo de visão. Estamos prontos para eles? Questão mais importante: eles mordem?
Por enquanto sei que não os verei no Brasil em 2008. Mundinho injusto o nosso.
Décimo álbum do Deerhoof. 14 faixas, com produção da própria banda. Kill Rock Stars. ***
Superoito nas eleições municipais
Em sete tempos:
* Você sabe que está numa cidade do interior quando a praça dá para o prédio dos Correios que dá para a prefeitura que dá para o cartório que dá para a loja de sapato que dá para o boteco que dá para a igreja que dá para a escolinha onde todo o povo vota.
* Você sabe que a cidade do interior é uma zona-bem-mais-que-eleitoral quando o sujeito preso por desrespeito à lei seca pede permissão à delegada para beber ‘só o restinho da garrafa’.
* Você sabe que está num antro da gastronomia quando o melhor restaurante da redondeza é uma churrascaria de beira de estrada que cobra R$ 26,90 por um rodízio que inclui coração de galinha cru e carne com a consistência de um torrone (e a sobremesa não está incluída no nosso precinho, meu senhor).
* Você sabe que ninguém tem mais senso de ridículo quando uma mulher de trinta e poucos anos é presa por crime de boca-de-urna ao colar adesivos enlouquecidamente na camisa de eleitores que caminham na rua. E adesivos ‘de um partido aí, sei lá, não conheço’.
* Você sabe que o ser humano não tem salvação quando, depois de avisado pelo delegado para telefonar ‘por volta das 17h30’, o repórter descobre que a delegacia fecha às 17h.
* Você sabe que não merece respeito quando o funcionário do TRE, depois de ouvir uma longa reclamação desesperançosa pelo péssimo atendimento, desliga o telefone na sua cara.
* Você sabe que é um repórter quando, depois de retornar de uma longa apuração (vermelho feito um pimentão), tudo o que o editor tem a comentar é ‘quarenta e cinco linhas, pode ser?’
No meio do caminho havia um post
Estou de passagem comprada pra São Paulo. Chego à cidade dia 13 de outubro e só saio de lá no final da Mostra de São Paulo. Acompanho o festival de cinema, o Tim Festival e retorno a tempo de pegar o Festival Internacional de Cinema de Brasília (FicBrasília). Depois volto pra ver os shows do Planeta Terra. E vou tentar anotar tudo, tudo, absolutamente tudo neste blog aqui. Vou anotar tanto que vai ter gente desejando que eu nunca tivesse nascido. Vai ser um desperdício de paciência, vou avisando.
(Isso se eu sobreviver à cobertura das eleições municipais. Neguinho sádico me pautou pra narrar o pleito à bangue-bangue de uma cidadezinha sem lei onde ninguém-entra-ninguém-sai, os fracos nunca têm vez e os pobres coitados vivem num eterno pega-pra-capar. Dia desses atiraram num repórter que estava de bobeira tomando sopa num boteco. Vou levar caneta, bloquinho, gravador, laptop e dinheiro pro ladrão. Desejem-me boa sorte).
Enquanto as férias (ah! as férias!) não chegam e enquanto a rapaziada se diverte no Festival do Rio e enquanto me meto nas constantes crises de auto-estima, este blog respira um pouco. Não tenho muito a escrever por enquanto. Foi mal. Perdão. Eu ia bolar um textinho bonachão sobre Noites de tormenta, mas cansei de chutar cachorro morto. Nem vale. É café-com-leite. Entre assistir ao filme com Richard Gere e comprar um exemplar de Sabrina, sugiro que você experimente o novo sorvete do McDonald’s ou arrume trabalho. Sério. Eu só gasto tempo com essas coisas por que tenho que sustentar meus cinco filhos, pagar a babá e o aluguel do apartamento.
Aí tem o filme do David Gordon Green, Snow angels, que é estranhamente friorento mas renderia um texto sisudo e responsável. Um texto rigoroso (e essa é uma “obrigação de todo crítico”, como nos avisou o editorial da Contracampo), um texto espirituoso, um texto sedutor, um texto espertinho. Mas não sei. Às vezes parece que o poço secou. Outro dia pensei em escrever posts mais ou menos como os do Merten, num estilo diarinho. “Acordei hoje cedo, comi um bolo de laranja, peguei um engarrafamento quilométrico e aproveitei para tirar um ronco na cabine” etc. Depois pensei em escrever pílulas de provocação, no esquema “Madonna é a única verdadeira cineasta materialista do cinema contemporâneo”. Mas nem tenho ânimo ou estofo intelectual ou cara-de-pau para esse tipo de discussão.
E pensei em fazer listas de 10 mais. De todos os tempos. Os 10 mais das artes plásticas, da literatura norte-americana, da história da porcelana, da tradição do origami, os 10 jogos de videogame de quando eu tinha dez anos de idade. Os 10 posts rejeitados. Os 10 blogs que nunca visitei (tenho uma certa preguiça de visitar blogs).
Claro que, em algum momento, cogitei exterminar o meu próprio blog, mas aí bateu um arrependimento antecipado. Me peguei pensando em mim mesmo acordando no dia seguinte e pensando “deus, deletei mais um blog! Que tipo de homem deleta tantos blogs?’. Lembrei que havia prometido a mim mesmo que não detonaria este blog. Não este. Pelo menos não antes do dia em que ele completar um ano de existência. Não sei se baterei essa espécie de recorde pessoal. Mas um ano é muito tempo. Um ano é doze meses. Um ano é uma vitória. Um ano é dignidade.
Deve ser ansiedade. Cansaço. Muito trabalho. É que tem as férias. E (o pior) o resto que virá depois das férias. Então paciência. E, aos trancos, sigamos.
PS: A partir de hoje, não uso mais aparelho dentário. Envelheci 15 anos. Mas isso também quer dizer que deixei de ser um loser?