Diário de SP | Na Mostra (3)
1 | Não, eu não vi a cópia restaurada de O poderoso chefão (mas vi o estande armado dentro do Cinesesc para divulgar o novíssimo box de DVDs da trilogia).
2 | Sim, três dias e para mim já deu. Desconfio cada vez mais de que não nasci para isso.
3 | Entre um filme e outro, vivi uma cena de crueldade à Haneke. Na superlotada praça de alimentação, fiquei uns quinze minutos de pé à espera de um lugar vago. Quando encontrei um, uma mulher de mais ou menos quarenta anos pediu que eu cedesse a mesa a ela: “Por favor, por favor, tenho filho pequeno”. Cedi. Quando notei, o “filho pequeno” tinha uns 12 anos de idade. E, enquanto eu esperava de pé mais uns quinze minutos, a empanada esfriando e o suco esquentando, ela fez de conta que nunca tinha me visto na vida.
4 | Isto é São Paulo?
5 | O casamento de Rachel | Jonathan Demme | ***
Um belo filme, objeto estranhíssimo no cinema norte-americano que se vê por aí, que possivelmente acabará subestimado na correria da Mostra. Demme se equilibra entre os dramas (e as fórmulas) de uma típica fita indie sobre barracos de família e um olhar quase documental, capaz de acrescentar à narrativa uma série de elementos que não dependem da trama principal (a trilha sonora, por exemplo, é um show à parte). Mais determinado a explorar a atmosfera alegre/triste de uma típica reunião de família que em compor um mosaico de subtramas à Altman (ainda que faça isso bem), o filme não se rende a nenhuma solução fácil – nem para o público de multiplex, nem para os cinéfilos da Mostra.
6 | Todo mundo tem problemas sexuais | Domingos Oliveira | ***
Eis o filme que, ao contrário de Juventude, Domingos Oliveira não ousa inscrever em competições de festivais. Já que isto é um blog e nada mais que um blog, posso cometer a grosseria de afirmar que é este aqui o meu preferido, de longe, entre as duas novidades do cineasta? Se Juventude carrega a carga pesada de ter que afirmar (ou sublinhar) uma estética, Todo mundo tem problemas sexuais é a bagunça, a arruaça. Adaptação teatral com tique nervoso, o filme comete uma série de “crimes” que não seriam perdoados pelo juri oficial: se inspira em um texto repleto de chulices, assume abertamente a origem teatral e, mais que isso, confunde a encenação cinematográfica com uma espécie de making of da peça (intercala cenas de ensaios, leituras do texto, performances etc). Livre e solto, é uma zorra que experimenta radicalmente com o popular e que, por isso (e também pelo visual tosco, mas essa é uma outra discussão), será tratado como um passatempo, um playground de um grande diretor. Para mim, é o Oliveira mais jovial em muitos anos.
7 | Juventude | Domingos Oliveira | **
Seria ainda mais comovente se fosse apenas um documentário sobre o encontro dos três atores em uma mansão, num fim de semana. Algumas soluções da trama parecem truncadas – ainda que Oliveira defenda com muita convicção um cinema em que o texto se faz soberano (e sorte a nossa que, até aqui, são ótimos textos).
8 | Chove em nosso amor | Ingmar Bergman | **
O amor, os mistérios ao redor dele, um cineasta em formação e um narrador intrometido.
9 | La buena vida | Andrés Wood | *
Atendendo aos pedidos dos críticos incomodados com a pobreza fashion, taí um Linha de passe para a classe média: mas aqui é o cinema que parece miserável.