Dia: setembro 29, 2008

We are beautiful, we are doomed | Los Campesinos!

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Gravado em onze dias, lançado apenas oito meses depois do álbum de estréia e empacotado em 32 minutos de duração: We are beautiful, we are doomed é polaróide fresca. Fica parecendo até um experimento – concebido a partir da hipótese de que, para o Los Campesions, a espontaneidade vale mais que mil firulas de estúdio.

Mas vale?

Obra sem acabamento, tosca for fashion, o álbum nos transporta ao lo-fi do início dos anos 1990. Miserabilia cita diretamente os riffs de Weezer de Undone (The Sweater song). E há as canções com pontas soltas e dissonâncias que lembram o Pavement de Slanted and enchanted (All your Kayfabe friends, que fecha o disco). A diferença é que o Los Campesinos trabalha com uma estética de acúmulo de efeitos – de excessos e detalhes que não combinam com um formato à punk rock. De propósito, a banda faz rock superextravagante transmitido por um radinho de pilha.

Talvez seja por isso que tanta gente os abandone na primeira audição. Ouvir um álbum do Los Campesinos exige predisposição a uma sonoridade sempre over, sempre estridente. Mas garanto que, depois de um tempo, quando a estranheza desce pelo cano, os galeses se destacam por algo bem mais simples: o entusiasmo com que vomitam refrãos fáceis, versos irônicos e referências pop.

O primeiro disco, Hold on now, youngster, levava essa urgência ao pé da letra – a banda passava pelas próprias canções como um trator descontrolado. Agora (e depois de receber críticas por um disco “disforme”), a hora é de aceitar algumas convenções, esculpir o pedregulho na medida do possível. We are beautiful é mais redondo que o anterior, com faixas que oscilam entre a empolgação da estréia (Ways to make it through the wall e a faixa-título são tão poderosas quanto qualquer coisa que já gravaram) e momentos até introspectivos, com vinhetas ruidosas que amarram uma canção a outra.

Para quem se acostumou a esta bagunça organizada, soa como um álbum mais palatável, domesticado e – apesar do processo acelerado de gravação – menos arriscado. Como eles próprios avisam num dos versos, uma “versão soft porn do fim do mundo”. Está feito – agora vamos à carnificina?

Segundo álbum do Los Campesinos! Dez faixas, com produção de John Goodmanson. Wichita/Arts & Crafts. **

Êxodo

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Alguém aí não foi pro Festival do Rio?

(Boas coberturas da mostra na Paisá, na Cinética e no blog do Filipe. Até o Guilherme Alves parece ter abandonado o estilo telegráfico por um tempinho, então é bom que aproveitemos. E, claro, tem um certo quadro de cotações que nos ensina anualmente que a vida é dura e nem tudo é festa)

Gênero (He’s leaving home)

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No meu caso, é drama. Sempre um drama.

Foi assim que aconteceu quando, como quem desembrulha um presente de alguns bons metros quadrados, minha família apresentou a casa. Ontem pela manhã. ‘Só temos um mês, vamos correr com a mudança. Vida nova, vida nova’. E eu, dramático que só eu, perdido, tonto, elétrico naquele fim de mundo. Tanta terra. Uma casa à margem da civilização.

O que seguiu o espanto foi um diálogo patético (é o que acontece por aqui):

– A gente vai poder criar galinha.

– Galinha?

– É. Galinha.

– Galinha, mãe?

– É, Tiago. Galinha. E plantar umas árvores. Naquele terreno ali.

– Mas galinha?

A pergunta que cacarejava na minha cabeça: como foi que não percebi, durante invisíveis cinco meses, as movimentações da minha família para amarrar as trouxas e se mudar para um cantinho aprazível no fundo do nada? Em que universo eu estava durante esse tempo todo?

Primeiro fiz gênero (como eles tiveram a coragem de não me avisar sobre uma mudança esdrúxula para uma casa tão distante de tudo, quase no entorno do Distrito Federal, quase no interior do Amapá?), depois caí na real (eles não têm a obrigação de me avisar, a vida é deles, eles são adultos, crescidos etc), em seguida percebi que aquele era o momento: vou morar sozinho, pensei. Depois avisei: ‘vou morar sozinho’.

E foi um drama. Não sei se é o que acontece com todo mundo. Talvez não. Minha tão adiada decisão de sair de casa foi finalmente definida graças à imagem de umas trezentas galinhas esfomeadas, trancadas num cercadinho insalubre. Depois imaginei os mosquitos. E, finalmente, o silêncio. O silêncio mata.

Engraçado que ninguém aceitou bem o meu surto à J.D. Salinger. De sair de casa assim, num susto. Nem eu aceitei – meia hora depois, comecei a calcular o quanto seria penoso pagar mais de duas contas por mês. Minha família não aceitou – mas fez que aceitou, com aquele discurso dúbio no esquema “esta é a oportunidade perfeita pra você batalhar pela liberdade que você sempre desejou, filhão, mas vamos esquecer esse assunto por um minuto e conversar sobre os móveis do seu quarto novo?” Ficou um impasse, estranho impasse.

E, como prova definitiva de que há pelo menos outros três reis do drama na minha casa, passamos o sábado sob o domínio de uma pesada lei do silêncio. Ninguém falou. Nada. Nem na hora do almoço, anunciado com uma série de sinais familiares, grunhidos e barulhos. Nem na hora em que minha mãe pede religiosamente para que fechemos as janelas e, em seguida, dispara o apito do alarme. Ela fechou as janelas por conta própria.

No dia seguinte, de manhã cedo, meus pais já estavam de volta à rotina – catavam caju, brincavam com os cachorros, comiam mamão. Mas minha rotina já estava em outro canto, boiando nas palavras minúsculas dos classificados. No início da tarde estávamos todos conversados. ‘Você vai morar sozinho mesmo? Está decidido?’, ainda perguntaram, à espera de uma resposta terrivelmente agradável, do estilo ‘não, não vou, nós vamos viver juntos num cubículo sem ventilação até o fim do mundo’.

Mas aí respondi que sim. Em um mês. Trinta dias e estou fora. Até porque não existe outra possibilidade. Há os motivos práticos incontestáveis (custo com gasolina, engarrafamentos quilométricos para chegar ao trabalho, incompatibilidade com a vida tranqüila na floresta, fugir das galinhas), mas há o argumento que todos entendem mesmo quando não é pronunciado. A hora é essa. Já vou tarde. Meu tempo era ontem. Entre os filhos que deixam a casa dos pais, sou um retardatário. Estou na contramão do curso da vida.

Agora à noite, me pediram para fechar as janelas, ligar o alarme, apagar as luzes da sala, lavar os copos sujos e recolher os jornais de ontem, amontoados na mesinha da sala. Por antecipação, senti saudades. E, dois minutos depois, alguma vergonha do drama que ainda virá.