Dia: setembro 23, 2008
O segredo do grão
La graine et le mulet, 2007. De Abdellatif Kechiche. Com Habib Boufares, Hafsia Herzia e Farida Benkhetache. 151min. **
Decidiram exibir O segredo do grão na abertura da Mostra de Cinema Europeu, que começou ontem aqui em Brasília. Uma escolha bastante segura, já que o tema do evento é Diversidade e multiculturalismo (a trama acompanha o cotidiano de uma família de tunisianos na França). Mas também arriscada: assistir a este longa de 2h30 de duração numa sala sem ar-condicionado e cheia de mosquitos só fez ressaltar um dos problemas mais enervantes do filme: taí uma narrativa que se orgulha da própria flacidez.
Para mim, foi uma imensa decepção. Nem consigo comparar muito com A esquiva, já que ficaria parecendo um retrocesso terrível. Naquele filme, Kechiche não quer apenas retratar a vida de adolescentes de subúrbio, mas compreender profundamente os códigos daquele grupo social (e a experiência seria interessantíssima mesmo se reduzida a um making of). Já O segredo do grão deixa a impressão de obrigar que os personagens se adaptem a certas marcas supostamente autorais que soam artificiais (no sentido de não revelar naturalidade) em quase tudo.
Até a seqüência mais elogiada do filme, que envolve um almoço de domingo, não me convenceu tanto assim. O cineasta dá espaço para que cada personagem grude na película, e por aí realmente filma seqüências belíssimas como a da conversa do padrasto com a menina (e esse é o grande mérito do filme, daí as duas estrelinhas muito tímidas lá em cima), mas apela para um falatório histérico que, antes de parecer autêntico, deixa a impressão de uma fórmula aplicada a fórceps.
Mas o pior mesmo chega na metade final da trama, quando o roteiro dá marteladas na encenação relaxada que Kechiche ia construindo até ali. São golpes grosseiros que, ao mesmo tempo em que transformam o filme numa comédia de erros, condenam os personagens a uma via crúcis extremamente calculada, fria, que ofende a inteligência de qualquer um. O plano final, antecipado pelo filme em quase quinze minutos, é o momento em que Kechiche esgota todas as possibilidades da narrativa. É exaustivo. Tudo o que consegui sentir foi calor (por causa da falta de ar-condicionado), fome (haja cuscuz) e uma saudade danada de A esquiva.