Dia: setembro 22, 2008
Dig out your soul | Oasis
Dig out your soul é o melhor álbum do Oasis desde… quando? Desde o rinoceronte Be here now, de 1997? Provavelmente sim, já que o disco novo soa como um Be here now que não se deixa triturar pela própria gradiloqüência.
Mas quem sou eu pra chegar a esse tipo de conclusão? Quando o assunto é Oasis, ninguém deveria confiar em mim. É daqueles casos em que eu mesmo desconfio deste que vos escreve. Em 1994, Definitely maybe era o álbum que eu mais amava em todos os tempos. Em 2002, Heathen chemistry era álbum que eu mais desprezava em todos os tempos.
Pois bem. Minha relação nada sadia com o Oasis divide-se entre antes de Be here now (devoção) e depois de Be here now (frustração).
E, me matem, ainda não sei o quanto gosto de Be here now (se bem que eu era um dos cinco fãs enloquecidos que esperaram a loja de discos abrir no dia do lançamento mundial).
O que eu não esperava era que Noel e Liam retornassem justamente a ele, a Be here now, um álbum massacrado por tentar abraçar o mundo com as pernas. Não há como negar que a produção do disco é um daqueles equívocos que ninguém sabe explicar direito. De tão apoteóticas, compactadas numa pilha grosseira de efeitos, são faixas que perigam destruir as janelas do quarto se ouvidas em volume muito alto. De qualquer forma, aquele foi concebido como o disco mais ambicioso do Oasis – o testamento de uma banda de rock transformada em monumento.
Nas entrevistas de divulgação de Dig out your soul, os irmãos-encrenca falaram no desejo de criar um álbum exibido, elétrico, exagerado e jogado aos seus pés. “Queremos duas orquestras ao mesmo tempo”, ameaçou Noel. O porte gigantesco combina com o reinado do Glasvegas, mas não deixa de parecer surpreendente para uma banda que tentava se adaptar a um som mais contido desde Standing on the shoulders of giants, de 2000. Nos últimos três álbuns, tudo o que o Oasis fez foi buscar uma forma de colocar os pés no chão – de preferência, a alguns bons quilômetros de distância dos excessos de Be here now.
Mas e se eles descobrissem que os excessos e as ambições fazem bem ao Oasis? Dig out your soul é o retrato dessa descoberta. E, por sorte, não estamos metidos no fluxo de consciência de um megalomaníaco.
Os problemas do Oasis, hoje, são outros. O maior deles é recuperar o prestígio perdido depois de um período de estiagem criativa, de pobreza de idéias, de auto-reciclagem, de baladas mornas e psicodelia de segunda mão. O novo álbum sofre com o rescaldo dessa fase de vacas magérrimas (e foi mal, mas eu não consigo ver Don’t believe the truth, de 2005, como um retorno à forma), mas encontra uma banda novamente confiante, pronta para recuperar de vez o foco perdido há alguns bons dez anos.
Quem espera um grande disco será obrigado a relevar alguns clichês típicos da discografia do grupo. As referências a Beatles continuam frágeis (os acordes de Dear Prudence ao final de The turning, o início à Helter skelter de The nature of reality, o “love is a magical mystery” em The shock of the lighting) e o conceito todo do álbum evoca Exile on main street com uma atmosfera psicodélica que lembra tanto The Doors quanto T-Rex. Nada novo. Mas nada tolo. É um disco sóbrio e cauteloso, próximo de um formato de “rock clássico” e quase-quase adulto – eles chegam ao ponto de gravar um blues lisérgico em (Get off your) High horse lady.
Contaminado por uma nostalgia que eles tratam sem pudores (e, nesse ponto, lembra algumas experiências do Stone Roses e do Primal Scream com influências setentistas), o álbum enfeita cada canção com distorções, corinhos, pequenas sinfonias e outros apetrechos de estúdio que, no caso do Oasis, combinam com uma banda que só faz perfeito sentido quando diante de multidões. Soará muito bem ao vivo, como o próprio Noel notou. Não é uma vitória a ser menosprezada.
Sétimo álbum do Oasis. 11 faixas, com produção de Dave Sardy. Big Brother. **
Alice
Sei que é arriscado comentar episódios-piloto, mas Alice não merece a onda de comentários negativos que anda recebendo. Não digo que eu tenha caído de amores pelo projeto de Karim Aïnouz e Sérgio Machado (a campanha de marketing quer que eu me apaixone, e tudo o que está rolando é uma paquera tímida), mas taí uma série capaz de transportar para a tevê muito do que se tenta de mais interessante no cinema brasileiro contemporâneo.
Muito longe de bobagens como Mandrake, que não fazem nada além de chover no molhado, Alice é outra história, um outro Brasil, um outro cinema (sim, cinema). O olhar sensível de Aïnouz e de Machado para o ambiente que cerca os personagens (que vimos em O céu de Suely e em Cidade Baixa, por exemplo) se deixa revelar logo nas primeiras cenas, rodadas em Palmas, Tocantins. Quando a câmera se desloca para São Paulo, o que vemos não é uma cidade à cartão-postal nem à filme de horror, mas uma terra estrangeira filtrada pela percepção da personagem principal, entre o pânico e o deslumbramento.
Nas matérias de jornal, o que comentam é uma suposta inverossimilhança do roteiro (ninguém reparou as referências a Lewis Carroll?) e uma tese de que Karïm e Machado fizeram concessões demais. Por quê? Por terem optado por uma montagem mais acelerada, sem longos planos-seqüência? Por terem mergulhado numa narrativa urbana e fluorescente, como quem descobre um Brasil que já foi descoberto?
“Acho que a autoralidade está muito mais ligada ao olhar que às escolhas temáticas”, comentou Aïnouz. Alguém discorda? No fim das contas, a forma como os cineastas observam e encenam o país é mais importante que detalhes de dramaturgia – e tudo o que vi parece bastante coerente com o trabalho da dupla no cinema. Se eles conseguirem levar essas possibilidades até o fim, Alice será a primeira série brasileira da HBO digna de um box de DVDs. Estou acompanhando.