Dia: setembro 19, 2008

O insuportável

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Deu na Folha:

Nós, disco de Camelo, beira o insuportável. O que o Los Hermanos tinha de pior – a inútil idealização de uma época que não volta mais; a melancolia auto-indulgente; letras tão idílicas que fariam João Gilberto passar por contestador; arranjos que vão na direção do samba-canção e na tradição MPBística, mas que tateiam sem chegar a lugar nenhum.

Em seguida, o colunista de música pop elogia o projeto do Rodrigo Amarante (Little Joy) pelo “clima de total descontração” e recomenda os novos do TV on the Radio e do Glasvegas como “lançamentos incontornáveis” do ano (para quem assina o jornal, o link para o texto é este aqui).

Eu acho jóia o exercício da crítica, mas diz aí: que argumentos são esses?

Na primeira frase, fica claro que o jornalista não deu trela pro álbum (“beira o insuportável”). Nas seguintes, tudo o que ele consegue é (nas palavras dele, aliás) tatear sem chegar a lugar nenhum.

Quase ninguém leva esse tipo de análise publicada em jornais diários a sério, mas vale tentar: qual seria essa época-que-não-volta-mais idealizada inutilmente pelo Los Hermanos? A bossa nova (já que ele comparou com João Gilberto)? O samba-canção? A Tropicália? O auge de Dorival Caymmi? Chico Buarque? Mas que Chico Buarque? Aliás, o que ele quer dizer por “tradição MPBística”? O que significa isso? O que entra ou não entra nesse rótulo? Seria interessante que ele identificasse esse período histórico, ou pelo menos algumas referências, já que estamos falando de momentos e às vezes de décadas diferentes.

O engraçado é que, minutos depois, o colunista libera o Amarante para caminhar pelo “reggae, pelo pop californiano dos anos 60”. Ok, o compositor tem todo o direito ao flashback que ele bem entender, mas me explica: o pop californiano dos anos 60 não seria um gênero de uma época que não volta mais? Mais adiante, ele compara TV on the Radio com Pixies e My Bloody Valentine. Também concordo. Mas, nesse caso, por que os nova-iorquinos teriam permissão de remeter tão descaradamente ao passado?

O textinho dá a impressão de que todos podem sentir saudades, menos Marcelo Camelo. Curioso que, entre todos os álbuns comentados pela coluna, o dele é o único sobre saudade. Mais que insuportável, o disco do hermano parece uma objeto esquisito que o colunista não se dá ao trabalho de decifrar. Seria mais fácil se o álbum tivesse optado por um clima de descontração. Ou, claro, matado de inveja o Noel Gallagher.