Dia: setembro 17, 2008

Sou/Nós | Marcelo Camelo

Postado em Atualizado em

Você já levou um fora do Marcelo Camelo? Eu já. Na época do lançamento de Ventura, tentei perguntar a ele sobre as influências musicais do Los Hermanos. Uma questão bobinha e babaquinha que jornalistas bobinhos e babaquinhas costumam fazer mas que, no fim das contas, sempre me interessou bastante (ainda mais quando feita para uma banda que, no começo de carreira, se dizia influenciada pelo Weezer).

A resposta do moço foi mais ou menos assim:

– Ih, cara, olha, não sei, vá entender, sabe como é, não é bem assim, não é por aí, é que música, música, música… a gente não se inspira tanto em música, sabe? O que são bandas, o que são influências? Influências? Nossas influências podem estar no cinema, na fotografia, na vida.

(E, antes de ter ouvido finalmente o barulho de uma pauta se espatifando no chão, ainda pensei em perguntar sobre cineastas e fotógrafos, mas preferi deixar quieto).

Quando eles lançaram 4, meu disco favorito do grupo, preferi sugerir a entrevista a outro repórter. Naquela altura, eu já estava conformado com o fato de que o Los Hermanos se mostrava uma banda que se irritava com a idéia de conversar sobre música. No início, estranhei o desinteresse (se eu fizesse parte de uma banda, passaria horas divagando inutilmente sobre o assunto). Depois percebi que as coisas são assim e pronto, confrontá-las seria inútil. E, de fato, cada vez mais o quarteto parecia solto ao vento, largado no mar, pronto para se deixar levar por referências que muitas vezes não cabiam no nome de alguma banda estrangeira ou de algum gênero musical.

Acredito na hipótese de que o Los Hermanos nunca adorou entrevistas por medo de acabar condenado a um rótulo, a uma definição apressada, a um slogan desatento.

O disco solo de Marcelo Camelo leva essa aflição a um degrau acima. Soa tranqüilo, mas não é nada disso. Ouça três vezes e você descobrirá um álbum mais detalhista e aventureiro que qualquer um lançado pelo Los Hermanos. Se 4 representou a ruptura definitiva da banda com as expectativas alheias e com o rock – e, ao mesmo tempo, apontou para o desgaste de um longo relacionamento (hoje, o verso “eu preciso andar um caminho só” soa ainda mais apropriado) -, este Sou/Nós amplia a caixinha de música lírica e introspectiva de Camelo. Mas, surpreendentemente, não tem nada de inocente, de despretensioso.

Sou/Nós (e a ambição começa no título) não é um típico álbum solo. Não é desajeitado, não é um encontro casual, não é um bico de férias. Soa mais como um novo ponto de partida. Cada vez mais seguro daquilo que quer para si, Camelo gravou um disco brasileiríssimo com ecos tanto do novo-folk (em Janta, com Mallu Magalhães) quanto do chamber pop de bandas como Lambchop e do renovado The Sea and Cake (na excelente Téo e a gaivota, que, com participação do Hurtmold, abre o álbum cheia de vãos, lacunas, ruídos e uma melodia em estado de graça). E, sim, um álbum que passa pela MPB, com participações de Dominguinhos (em Liberdade) e uma crônica carioca que lembraria o Chico Buarque dos anos 90/2000 mesmo se não falasse em “velhinhos bons de papo” (a marchinha Copacabana).

Numa primeira audição, os temas do disco nos preparam para uma continuação direta de 4. Camelo ainda canta a solidão (doce ou dolorida), o amor, filosofia à beira-mar (“Acho normal ver a vida feito faz o mar num grão de areia”, diz em Mais tarde) e se afirma com um certo acanhamento decidido (“Eu caminho no tempo que bem entender”, avisa, em Vida doce). Mas, esparramadas num álbum inteiro, sem interrupções, as canções do compositor ganham a forma de um retrato integral, de uma jornada particular. Nada que tenhamos ouvido antes.

Marcelo Camelo está solto. E se este disco às vezes soa como trilha sonora (as versões em piano para Solidão e Passeando) ou como o documentário sobre a gravação de um disco (são vários as arestas soltas entre uma música e outra) ou como um cruzamento de Marisa Monte com Arnaldo Antunes (sem Carlinhos Brown, aleluia), é que ele vê a música de uma forma generosa, permeável. O medo de trair os próprios desejos talvez tenha sido o veneno que contaminou o Los Hermanos, mas taí o resultado da coragem: um álbum novo, um homem por inteiro.

Primeiro álbum de Marcelo Camelo. 14 faixas, com produção do próprio compositor. Zé Pereira/SonyBMG. ***

Um crime americano

Postado em

An american crime, 2007. De Tommy O’Haver. Com Ellen Page, Catherine Keener e Hayley McFarland. 98min. (sem estrelas)

A humanidade é sórdida, né? Este filme é mais.

A vilã, interpretada por Catherine Keener, tranca uma adolescente no porão de casa e a submete a uma longa, interminável sessão de tortura. É uma sádica, né? O filme é mais.

Com a desculpa de que filma uma “história real”, o diretor Tommy O’Haver acentua os detalhes macabros de uma tragédia que nos levaria a lamentar o mistério da maldade humana. Mas não quer provocar grandes reflexões – nos momentos mais desagradáveis, o filme faz da trama uma historinha de suspense. Para nos comover, recorre a efeitos sonoros de batidas aceleradas de coração. E uma trilha sonora tensa que encontraríamos em seriados policiais.

Já seria detestável, mas, além disso, O’Haver ilustra os anos 60 com todos os lugares-comuns que encontramos num antigo comercial de tevê. O que é tão horripilante quanto. Saí do cinema um tanto enojado, com a impressão de ter perdido minha noite com uma sessão macabra de Supercine. Depois descobri que, nos Estados Unidos, ele foi exibido apenas na tevê por assinatura. O que faz muito sentido.

De alguma forma, o próprio filme funciona como um argumento bem poderoso para defender essa tese de que o ser humano pode mesmo ser extremamente cruel. A começar por Tommy O’Haver. Medo dele.