Dia: setembro 9, 2008

Luz silenciosa

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Stellet licht, 2007. De Carlos Reygadas. Com Cornelio Wall, Maria Pankratz e Miriam Toews. 137min. **

Pela primeira vez na vida, quase aplaudi o pôr-do-sol.

Quase. Depois do deslumbramento veio a dúvida. E já que blogs são bons lares para a dúvida, lá vai: a mim, Luz silenciosa parece tão fascinante quanto inócuo. E quase numa mesma medida.

O que fazer? Esperar uns três meses para tentar formar alguma opinião sobre o filme? Mas aí tenho medo de lembrar apenas do pôr-do-sol que abre e fecha a narrativa – e esquecer todo o resto.

No calor do momento, então. Não me vejo no batalhão dos acusam esse cinema de se satisfazer com um decalque esnobe de Bresson, Dreyer e Tarkóvski. Mas me incomodo com os trechos (e são muitos) em que o filme se transforma num portfólio insípido de um cineasta-cinéfilo, em uma galeria de longos planos-seqüência que rodopiam no vácuo – e aí acaba lembrando o pior de Bruno Dumont.

Com dois ou três argumentos, é fácil desancar Carlos Reygadas sem muito esforço. Mas há um grande filme dentro deste filme, e ele não passa como qualquer bobagem. O diretor se aproxima de um grupo de personagens (uma comunidade de migrantes que, ao norte do México, habita um universo paralelo, arcaico, quase impossível) de uma forma que, goste ou não dele, é profundamente generosa. Não se trata apenas de registrar o cotidiano daquelas pessoas, mas de transportar o ritmo daquelas vidas para a narrativa, para o tempo do filme.

Vez ou outra, o exibicionismo de Reygadas nos afasta daquele mundo – e faz do filme um brutamontes com arroubos de lirismo. Mas, quando estamos dentro do universo, mergulhados num ambiente que sempre nos parecerá estranho, a experiência do filme não gira em falso. A câmera explora cada espaço com um olhar demorado, quase receoso, mais ou menos como fazemos quando adentramos um território que ainda não nos parece familiar. Viagem insólita, o filme exige a nossa disposição para o contato com o desconhecido.

E com milagres. Pelo menos quando a vaidade de Reygadas dá espaço para que eles nos tirem o ar.

Only by the night | Kings of Leon

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O Kings of Leon é a mais estúpida entre as bandas espertas de rock. E a mais esperta entre as estúpidas.

Algo muito errado aconteceu no momento em que os irmãos Followill deixaram a garagem e se mudaram para a arena. Minto: parece não ter sido um simples deslocamento. Foi uma mutação. Como o sujeito que entra na modernosa máquina oval e sai meio-mosca, o quarteto se transformou num ser híbrido, esquisitão, dupla-face. Só isso explica o quão contraditórios soam (pelo menos para mim) os álbuns que eles gravaram depois de Youth and young manhood, de 2003.

Se o esquizóide Aha shake heartbreak (2004) parecia ter sido gravado no instante em que a mosca entrou no organismo da vítima (é um álbum, no mínimo, desorientado), a criatura pop que nasceria a partir de Because of the times (2007) seria ao mesmo tempo ambiciosa – com a tentativa de ampliar a estética de southern rock para um público mega – e bastante… estúpida. Por exemplo: o hit do disco, On call, é a típica canção ganchuda de rock que não quer nos dizer absolutamente nada. Pior: que nos diz algo muito, muito tolo.

Em Only by the night, esse monstrengo cria asas e sai voando enlouquecidamente por aí. Veja a capa. Eles não nos deixam nem mentir!

Cada vez mais, o Kings of Leon afina a capacidade de construir hits engenhosos, com melodias cheias de detalhes e surpresas. O baixo de Jared Followill é um dos trunfos do álbum – e, em faixas como Be somebody, chega a lembrar os dias em que Kim Deal roubava a cena nos Pixies. O clima sombrio das primeiras duas músicas – Closer e Crawl – às vezes sugere um Nine Inch Nails sem medo de estourar nas FMs. É um disco noturno, sim senhor.

Mas aí o bicho surta e o homem vira mosca e o Kings of Leon acaba se revelando a banda mais descerebrada do planeta. Como eles conseguem? Taí um grupo que soa como o U2 de Joshua tree e como o Skid Row de 18 and life. E isso num espaço de cinco minutos! Impressionante. Logo depois da atmosfera de trem-fantasma de Crawl, eles nos aterrorizam com a canção mais absurdamente ri-dí-cu-la que você ouvirá em 2008 (e em 2009 e em 2010): Sex on fire.

Quando você ouvir esta música (e assistir ao clipe farofeiro dela), você se perguntará: mas essa banda é aquela mesma que abriu o disco? Para não ser injusto com ninguém, é preciso deixar claro que o Skid Row nunca gravou uma canção tão escancaradamente vazia e supostamente sexy quanto essa.

Em seguida, a faceta U2 do Kings of Leon vence o vilão gosmento com Use somebody, uma faixa épica que vai crescendo, crescendo, crescendo e, depois de dominar o planeta, não chega a lugar algum. Mais adiante, o circo desaba com 17 – que, tal como Sex on fire, se explica logo no título. E aí vem uma linda faixa de encerramento, Cold desert, para nos mostrar que talvez o homem tenha vencido o inseto. Talvez.

A crise de personalidade pelo menos rende um álbum sortido, uma montanha-russa. Mas, inconstantes, os irmãos Followill fazem zigue-zague naquela fronteira que separa os espertos dos estúpidos, os bons dos posers. E, poser por poser, pelo menos o Jonas Brothers não demonstra essa queda toda por auto-paródia.

Quarto álbum do Kings of Leon. 11 faixas, com produção de Angelo Petraglia e Jacquire King. RCA. *, ou seria **?