Dia: setembro 5, 2008

Superoito with children

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…Em uma missão heróica de superação de limites, e antes de decidir finalmente saltar de pára-quedas, Tiago Superoito aceita o convite para conversar sobre jornalismo cultural com uma platéia formada por cinquenta crianças entre cinco e dez anos de idade.

O filme: African Bambi, uma produção holandesa filmada na África que, ao contrário do que o título sugere, não é uma animação GLS dirigida por Spike Lee. O local: uma sala aveludada do complexo Cinemark. O objetivo: comandar uma palestra informal sobre a rotina de um sujeito que escreve sobre cinema.

Superoito, o showman. Superoito, o Daniel Azulay.

Prometi a mim mesmo que não negaria nenhum desafio aparentemente impossível – então taí. Vesti uma camisa bonita de botão sobre uma camisa velhinha de manga rasgada e lá fui eu, seja o que deus quiser, viver o papel de tio Superoito por algumas horinhas bestas que passariam num pulo. Eu, que me sujo de pavor com a perspectiva de discursar diante do público (e não tenho perfil pra Michael Jackson), me surpreendi comigo mesmo. “Você pode falar com as crianças sobre a produção de uma matéria de jornal?” “Sim, claro”, respondi. “Vai ser um bate-papo, e a idéia é que você provoque perguntas, lidere a discussão, instigue o debate.” “Sim, sim, como não?”

Foi só depois que desliguei o telefone e engoli a ficha que percebi a gravidade da situação. Eu, euzinho aqui, o velho rabugento de 88 anos de idade, teria que entreter os petizes?

No fim das contas, não foi tão difícil. Nem tão fácil. Foi estranho. E mais ou menos agradável. Parece que gostaram da minha performance. Mas, até agora, não sei se mandei bem, se mandei mal, se paguei mico ou se ganhei um Tony Awards. Tudo bastante confuso.

Mas lembro de algumas cenas. De African Bambi, “a versão verdadeira sobre a história do Bambi”, que é uma espécie de especial da Discovery Channel dublado (maravilhosamente bem, aliás) por Carla Camurati. No filme, a diretora de Carlota Joaquina interpreta uma girafa que tudo vê. Com aquele pescoção, o bicho narra uma trama sobre os perigos de nascer no meio da selva. Em vez de se divertir com brinquedos pré-escolares, você vira sobremesa de jacaré. Cruel assim.

As crianças, todas muito esforçadas, entenderam o filme da forma mais direta possível: é a história de uns bichos na floresta. Certo. Eu devia ter parado por aí. Mas como a minha função era provocar o debate…

A situação começou a complicar quando tentei explicar aos meninos e meninas que a história narrada pelo filme era uma ficção – mas que as imagens eram todas um registro da realidade. Mas como assim?, alguns perguntaram, com toda razão. Aí tentei, didaticamente (frases pausadas e entonação de paizão atencioso), contar que uma equipe de holandeses curiosos se mudou para a África, onde filmou um montão de animais perigosos. Depois, de volta à Holanda, pegaram esse catatau maluco de cenas e criaram uma história em cima delas. Certo?

“Mas tio, como é que eles conseguiram saber o que a girafa estava pensando?”, perguntou a menininha.

Sabe como é, eu estava extremamente paciente. Eu estava um amor de pessoa. E, provavelmente por isso, eu devo ter me saído muito bem (sem ter percebido isso). Quando percebi que todas as crianças eram extremamente bem-intencionadas (nenhuma queria puxar meu tapete ou me processar ou esfregar na minha cara que não sou um expert em cinema oriental ou algo assim), decidi embarcar na brincadeira. Dei até uma de Serginho Groismann, com o microfone pra lá e pra cá perguntando “fala, garoto”, “fala, garota”. E as criancinhas formaram fila para fazer perguntas – um movimento espontâneo de corrente-pra-frente que me comoveu mais que qualquer cena de Linha de passe.

No mais, o desafio era mesmo complicado: se muito adulto por aí acha que o importante nos filmes é “a história” que eles narram, as crianças me surpreenderem. Mais dois debates e estaríamos filosofando sobre metalinguagem e nouvelle vague.

“Mas tio, como foi que você chegou tão pertinho da girafa?”, perguntou o menininho.

Quando terminou a conversa, já no corredor do Cinemark, puxei uma das meninas uniformizadas de cinco anos de idade e perguntei, olho-no-olho e sinceridade-absoluta-por-favor: “você gostou do debate, gostou?”. Com a ausência de cinismo que eu espero de uma guria de cinco anos, ela balançou insistentemente a cabeça num “gostei, gostei, gostei” que, pra mim, representou a avaliação definitiva da atuação. Se bem que, no terceiro “gostei”, notei uma certa hesitação. Algo como “gostei, mas prefiro o Luciano Huck”.

“Você toparia participar de outros debates?”, me perguntaram, depois do furacão. Ainda aflito, mas determinado, aceitei antes de pensar duas vezes no assunto. “Sim, sim, como não?” E lá vou eu esquizofrenicamente entrar em guerra comigo mesmo – mais uma vez.

THAT LUCKY OLD SUN | Brian Wilson

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Quem não se emociona ridiculamente com as harmonias vocais de Brian Wilson que atire a primeira tangerina.

Ok, parem com as tangerinas. Eu, que ainda molho minha cuequinha quando ouço as harmonias vocais de Brian Wilson, me sinto mais solitário dia após dia. Guess I just wasn’t made for these times.

Mas vá lá, para alguém que foi educado musicalmente pela cartilha de Pet sounds (sou da geração que descobriu o clássico no lançamento em CD, então para mim sempre soou como o melhor álbum dos anos 90), Brian Wilson é o maior dos deuses falhos, o mais adorável entre os anti-heróis americanos. E aí não importa que, durante os shows, ele permaneça lá, estático, meio aéreo e apático diante de um teleprompter. A vida é dose, e Brian parece ter sobrevivido a ela.

Quando o beach boy finalmente concluiu Smile, em 2004, pouca gente acreditou no que ouviu. Pra dizer a verdade, eu ainda não acredito. Depois de quase ter sido mastigado e cuspido pela loucura, nosso salvador conseguiu o feito de criar uma obra-prima a partir de cacos de uma obra-prima. Ops. No mesmo ano, porém, lançou um disquinho medíocre que funcionou como um banho de realidade: Gettin’ in over my head era o típico Brian Wilson solo, quase tão frustrante quanto o típico Paul McCartney solo.

That lucky old sun é, sim, um típico Brian Wilson solo. Mas, ao se deixar renovar pela fome criativa de Smile, o surfista blindado conseguiu finalmente dar forma a obsessões que nunca soaram tão antigas. É, de verdade, o melhor álbum de Wilson desde Surf’s up (1971). O problema é que, produzido em 2008, o resultado parece fincado num passado muito distante.

O que significa o seguinte: quem não se emociona ridiculamente com as harmonias vocais de Brian Wilson e não sente nenhuma falta dos Beach Boys tratará o álbum com certo desprezo. Será inevitável. That lucky old sun parecerá até bastante óbvio: bronzeado artificialmente, excessivamente reverente a uma estética sessentista, mais uma declaração de amor à Califórnia, um resumo-da-ópera forjado com algumas décadas de atraso. O pior, para o fã, será reconhecer que o disco é também tudo isso.

Também. Quem conhece a trajetória de Wilson sabe que a egotrip é mais importante que isso – e não tem (quase) nada de oportunista. Para Wilson, That lucky old sun é quase um testamento. Em 17 faixas, há lembranças de praticamente toda a carreira dos Beach Boys – principalmente da fase pós-Smile, de álbuns descansados como Wild honey (1967) e Sunflower (1970). Até os momentos constrangedores (como Mexican girl, que parece uma daqueles odes femininas do Roberto Carlos traduzidas pro inglês) fazem sentido num ciclo de canções pontuado por delírios do antigo parceiro Van Dyke Parks.

Quem não é fã que pule logo da canoa – ou salte para a faixa 12, Oxygen to the brain. A partir daí, o passeio à beira da praia se transforma em um flashback não menos que comovente, com versos sobre páginas rasgadas, capítulos perdidos, surtos de melancolia, ídolos pop que tomam o caminho errado e saudades do tempo em que a maior das vontades de Wilson era poder formar um grupo vocal com os irmãos. “Todas essas pessoas me fazem sentir tão sozinho”, confessa. Ah, se fosse fácil. Been too long, um corinho curto, é de cortar o coração em cinco pedaços.

É uma história triste, triste, triste, um filme de Wes Anderson. Mas você só vai perceber isso lá pela quinta audição de That lucky old sun. Até lá, este parecerá um dos álbuns mais brandos, mais inofensivos e amarelados do ano. Aos 66 anos, Brian Wilson ainda sonha sozinho, ainda habita um planeta de sabão, ainda celebra a inocência sem fim. Vai ver não sofria de um simples mal de juventude.

Oitavo álbum solo de Brian Wilson. 17 faixas, com produção de Brian Wilson. Capitol Records. ***