Dia: julho 19, 2008

Nome próprio ***

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A história nem é tão nova: Nome próprio foi inspirado em dois livros e um turbilhão de posts de Clarah Averbuck, que hoje escreve no blog Adiós Lounge. Num texto recente, ela desabafa contra os que não a compreendem: ‘Eu uso a vida para a arte, o que é muito diferente de achar que é tudo a mesma coisa’.

Pois bem. Não é tudo a mesma coisa (e eu, ha-ha, bem sei disso). Daí a complexidade que reside neste filme aparentemente simples dirigido por Murilo Salles – e é o melhor dele desde Nunca fomos tão felizes. A protagonista, vivida por Leandra Leal, não é Clarah Averbuck. Melhor seria defini-la como uma mulher nascida num território nebuloso entre a confissão e a ficção.

Não é, como os apressadinhos ficarão tentados a resumir, um “retrato de geração”. Muito menos um filme sobre blogueiros. O buraco é outro. Murilo Salles evita tomar a personagem como símbolo, como emblema. Ela é o que ela é. O filme abre inúmeras possibilidades de análises, de interpretações sobre uma lista de temas: da solidão das metrópoles ao uso de blogs como aquele tipo de garrafinha com mensagens dentro que se joga no mar à espera de alguém que as encontre. Mas, antes disso, é um perfil psicológico. Que será entendido perfeitamente por quem não sabe o que é uma conta de twitter.

Eis o retrato de um período intenso na vida de uma mulher aos pedaços. A woman under the influence. Que é sim imatura e calhorda e aloprada. Que escreve por precisar escrever (e, perto desse catatau de sexo, drugs and botecos-fedidos, um filme sobre meus blogs seria uma animação da Pixar). No início da trama, nossa heroína é chutada pelo namorado. A partir daí, não importa muito que saibamos de onde ela vem (de Brasília, certo, mas não espere um histórico detalhado), o que ela faz ou quer da vida. São 120 minutos de transtorno, um processo criativo enlouquecedor.

Murilo Salles filma a erupção desse vulcão com urgência: as câmeras digitais grudam-se no corpo de Leandra Leal, numa atuação que dá sentido a uma personagem quase sempre contradtória. Leandra permite que nos aproximemos dela, que observemos o mundo por um outro olhar. É um trabalho, no mínimo, muito cuidadoso e inteligente (e nada como uma atriz capaz de dividir tão radicalmente com um cineasta a autoria de um filme).

O cineasta nem chega a se aprofundar nos conflitos de quem escreve ficção a partir da própria vida (o que, em blogs, virou lugar-comum). Nem faz questão de dar relevo aos personagens periféricos (o nerd, o namorado orgulhoso, o paquera desmiolado etc). Mas já me agrada muito como consegue, a partir de uma encenação tão intimista, sugerir um sem-número de possibilidades de narrativas sobre a angústia de escrever e a necessidade de comunicação e contato neste nosso mundo todo quebrado.

Mas calma lá: Nome próprio é, antes e acima de tudo, a história de uma mulher. De carne, osso, bits e tudo. De verdade.