Dia: julho 9, 2008
Era uma vez… **
“Vocês já conhecem esta história. De Cidade de Deus, Cidade dos homens, Tropa de Elite. Não é nada nova. Mas a diferença é a abordagem, o meu olhar para o Rio de Janeiro. Não acho que tem que mandar o Bope matar todo mundo. Acredito em uma outra possibilidade, e é isso que tentei mostrar.”
Foi assim que Breno Silveira apresentou Era uma vez… ontem, no Cinemark de Brasília, a uma platéia que ganhou ingressos em sorteios e promoções. Disse tudo. Como um prolongamento do método de 2 filhos de Francisco, o novo longa do diretor (que vive no Rio, mas nasceu aqui na capital) usa uma premissa reciclada – o romance entre um rapaz da favela e uma adolescente rica – como pretexto para um cinema abertamente sentimental e popular. O importante, Breno avisa, é a emoção. Que ninguém o acuse de falta de sinceridade.
Na época da cinebiografia de Zezé Di Camargo & Luciano, eu já havia forçado a comparação: ao contrário de um Moacyr Góes ou de um Daniel Filho, Breno Silveira tem o mérito de filmar o banal com absoluta convicção. É o nosso melhor cineasta de obviedades, do senso comum – já que ele parece se emocionar verdadeiramente com elas. Não há cinismo nem ironia nas imagens – nem quando os dois personagens principais lêem o livro Cidade partida, de Zuenir Ventura. Talvez por isso a aprovação do público seja também tão direta – o filme foi aplaudido duas vezes durante a sessão -, como se o diretor recuperasse algo muito inocente na platéia, um olhar quase que de criança mesmo.
É que, literalmente, este filme já foi feito. Por Cacá Diegues (Orfeu) e, recentemente, por Lúcia Murat (Maré, uma história de amor). Breno não escapa de nenhuma convenção dessa espécie de subgênero carioca: filma o amor impossível entre asfalto e morro como uma tragédia shakespeariana, e conjuga conflitos familiares com uma trama em que traficantes ameaçam o cotidiano de “gente de bem”. Tudo preto-no-branco – o pai da menina rica, corrupto e vingativo, também não nega o script. Daí que, se parece uma péssima escolha, o título do filme tem razões para implorar que encaremos essa narrativa com a condescendência dos contos de fadas para meninos de cinco anos de idade.
É como se Breno tratasse a trama, a premissa, como meros pontos de partida para o filme em si (e isso já acontecia em 2 filhos de Francisco). O que há de potencialmente emocionante no resultado quase não passa pela história que é narrada. A escolha mais acertada do diretor foi apostar tudo na atuação de Thiago Martins – ele próprio, morador de uma favela da Zona Sul do Rio. O ator retribui com uma performance que imprime autenticidade até nas seqüências mais improváveis do filme. Com as experiências de vida, as marcas no rosto e o jeito encabulado que só pode ser verdadeiramente dele, parece flutuar acima do filme. Ele é maior que essa história. Ele sobrevive à ela. E, nos créditos finais, é ele o responsável pela catarse mais autêntica.
Breno soube compartilhar com o ator principal a autoria do filme. Não é uma simples questão de generosidade, mas de entrega às descobertas que existem no processo de filmagem. E quando ele decidir filmar um roteiro minimanente complexo? Aí, meu amigo, eu serei um dos primeiros da fila.