‘Microcastle’ Deerhunter ***
Agora acho que posso dizer: eu conheço Bradford Cox.
Mas demorou um bom tempo, hem? No álbum Cryptograms, de 2007, o vocalista do Deerhunter me parecia pouco mais que um vulto. Se aquele era um disco todo errado – mais ou menos como a colisão sangrenta entre três EPs -, havia motivos para tanto: nascido a fórceps, exibia as marcas de uma gravação levada a solavancos. Corajosamente, a banda organizou as músicas do álbum como uma narrativa linear para um ano estranho: ele começa afogado em barulho para, aos poucos, encontrar-se com alguns filetes de melodia. Uma linda esquisitice.
Processo terepêutico: se isolar dentro do quarto e gravar as canções ambient do projeto Atlas Sound. Ainda assim, o resultado é um transe: Let the blind lead those who can see but cannot feel soa enevoado, melancólico, como se o compositor assumisse o papel de um fantasma adolescente. Outra criatura bizarra e adorável.
Depois de experiências tão viscerais, para onde seguir? A maior surpresa em Microcastle é a forma cristalina e franca, quase desnuda, como o vocalista agora se apresenta. É como se, depois do furacão, ele finalmente tivesse se permitido alguns dias de paz. Um pouco, pelo menos. Não é um álbum alegre nem plácido (os versos são paranóicos, agoniados), mas o primeiro trabalho do Deerhunter que se sustenta em pé, sóbrio e atento, do início do fim. Soa como uma semana produtiva numa clínica de reabilitação.
As comparações com o trabalho mais recente do Spiritualized serão inevitáveis. E, de fato, há canções que remetem diretamente ao universo daquela banda (Saved by old times é o exemplo mais explícito). Mas na maior parte do tempo, o alvo de Cox é uma releitura de clássicos do shoegaze – acima de tudo, My Bloody Valentine (que, quem diria, se transformou numa das referências preferidas de bandas de rock em 2008). Uniformemente agridoce, o disco é uma trilha sob medida para o próximo filme de Sofia Coppola – seja ele qual for.
Para quem se acostumou às estranhezas da banda, o foco recém-descoberto há de provocar desconfiança. Em comparação aos discos anteriores, Microcastle é um mistério desvendado, digerido para um público mais amplo e menos tolerante. Mas é uma prova da persistência de Cox. No início do ano, ele avisou que queria se dedicar a canções curtas, em “microestruturas” sonoras. O álbum é exatamente isso, só que inusitado de tão acessível. Em alguns momentos, vai além: a excelente Nothing ever happened é um casamento emocionante entre o Radiohead fase Kid A com Sonic Youth e My Bloody Valentine.
E tem um refrão para ser cantado em coro. Deerhunter em coro? Pois é. Muito prazer, Bradford Cox.
junho 26, 2008 às 9:20 pm
Taí um disco para o qual eu não dou nem darei a mínima.
junho 26, 2008 às 10:32 pm
Hahahaha. Eu acho que vc ia gostar, Diegão.
junho 27, 2008 às 12:23 am
É o meu favorito do ano e uma surpresa para mim, visto que eu não gosto nada do Cryptograms. E Agoraphobia é espetacular.
junho 27, 2008 às 3:08 am
Mas já tem um pouco de Microcastle no Cryptograms. Na segunda metade.