Dia: junho 26, 2008

‘Microcastle’ Deerhunter ***

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Agora acho que posso dizer: eu conheço Bradford Cox.

Mas demorou um bom tempo, hem? No álbum Cryptograms, de 2007, o vocalista do Deerhunter me parecia pouco mais que um vulto. Se aquele era um disco todo errado – mais ou menos como a colisão sangrenta entre três EPs -, havia motivos para tanto: nascido a fórceps, exibia as marcas de uma gravação levada a solavancos. Corajosamente, a banda organizou as músicas do álbum como uma narrativa linear para um ano estranho: ele começa afogado em barulho para, aos poucos, encontrar-se com alguns filetes de melodia. Uma linda esquisitice.

Processo terepêutico: se isolar dentro do quarto e gravar as canções ambient do projeto Atlas Sound. Ainda assim, o resultado é um transe: Let the blind lead those who can see but cannot feel soa enevoado, melancólico, como se o compositor assumisse o papel de um fantasma adolescente. Outra criatura bizarra e adorável.

Depois de experiências tão viscerais, para onde seguir? A maior surpresa em Microcastle é a forma cristalina e franca, quase desnuda, como o vocalista agora se apresenta. É como se, depois do furacão, ele finalmente tivesse se permitido alguns dias de paz. Um pouco, pelo menos. Não é um álbum alegre nem plácido (os versos são paranóicos, agoniados), mas o primeiro trabalho do Deerhunter que se sustenta em pé, sóbrio e atento, do início do fim. Soa como uma semana produtiva numa clínica de reabilitação.

As comparações com o trabalho mais recente do Spiritualized serão inevitáveis. E, de fato, há canções que remetem diretamente ao universo daquela banda (Saved by old times é o exemplo mais explícito). Mas na maior parte do tempo, o alvo de Cox é uma releitura de clássicos do shoegaze – acima de tudo, My Bloody Valentine (que, quem diria, se transformou numa das referências preferidas de bandas de rock em 2008). Uniformemente agridoce, o disco é uma trilha sob medida para o próximo filme de Sofia Coppola – seja ele qual for.

Para quem se acostumou às estranhezas da banda, o foco recém-descoberto há de provocar desconfiança. Em comparação aos discos anteriores, Microcastle é um mistério desvendado, digerido para um público mais amplo e menos tolerante. Mas é uma prova da persistência de Cox. No início do ano, ele avisou que queria se dedicar a canções curtas, em “microestruturas” sonoras. O álbum é exatamente isso, só que inusitado de tão acessível. Em alguns momentos, vai além: a excelente Nothing ever happened é um casamento emocionante entre o Radiohead fase Kid A com Sonic Youth e My Bloody Valentine.

E tem um refrão para ser cantado em coro. Deerhunter em coro? Pois é. Muito prazer, Bradford Cox.

Como eu festejei o fim do mundo **

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Da nova safra romena, vi três filmes: 4 meses, 3 semanas e 2 dias, A leste de Bucareste e agora este. Eles têm uma característica em comum: tratam, de uma forma ou de outra, do período de queda do ditador Ceausescu. Mas, de resto, me surpreendem por outro motivo – são projetos de cinema que mal se comunicam entre eles.

Ainda não consigo assimilar a idéia de um movimento estético de cineastas romenos. Talvez por ter perdido alguns filmes importantes do país, talvez por desatenção. Não sei. Mas não vejo muitos pontos de ligação entre a assumida (e cínica) precariedade de A leste de Bucareste, as cenas asfixiantes de 4 meses, 3 semanas e 2 dias e a opção pela narrativa clássica, pela estrutura típica de um romance de formação, que se nota em Como eu festejei o fim do mundo.

Dos três, o de Catalin Mitulescu é o que me soa mais truncado, mais desajeitado – mas um filme que consegue converter essa falta de jeito em benefício do tema que decidiu explorar. O cineasta acompanha uma adolescente que, como acontece, parece não encontrar conforto nem no próprio corpo. Mas não é um longa muito sobre puberdade, mas sobre como um Estado autoritário provoca agressões diárias no cotidiano das pessoas comuns e instaura um clima de permanente mal-estar. É essa atmosfera que Mitulesco acaba transmitindo, já que os personagens (e o próprio filme) muitas vezes parecem se arrastar, agonizar. Sem perspectivas, eles se esbarram, se maltratam.

Mitulescu tem o tema e os personagens. A faca e o queijo. Só não sabe, na maior parte do tempo, o que fazer com eles. De qualquer forma, intencionalmente ou não, nos faz sentir todo o peso de um país imóvel.