Dia: junho 15, 2008

‘LP3’ Ratatat ***

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Ratatat é um duo nova-iorquino com sete anos de estrada e dois bons álbuns, mas que ainda faz shows de abertura. Aquecem o público para as performances de Björk, Daft Punk, Franz Ferdinand e até do Cansei de Ser Sexy. Espero sinceramente que, depois deste LP3, Mike Stroud e Evan Mast descolem uma promoção.

Eles fazem por merecer. São poucas as bandas que mesclam elementos de rock e eletrônica com essa falta de pudores, esse descaramento. A bíblia do Ratatat talvez seja o álbum Discovery, do Daft Punk – uma belíssima escultura feita de lixo pop. Uma obra-prima camp com disco music, baladas farofas de rádio AM e ao rock progressivo. Mais ainda que um Justice, eles aplicam a lição dos franceses: tudo que cheira mal ou soa datado pode ser, com o bom humor de um observador distanciado, digerido para o tempo em que vivemos. E, quando se tem sorte, pode acabar soando sublime.

Este LP3 adiciona ainda mais esquizofrenia ao formato de Discovery. É um disco debochado e incansável, que brinca com estilos como kraut rock e dub sem medo de reanimar solos de guitarra empoeirados, daqueles que você encontra em viagens conceituais do Genesis. E que tenta aliar a experimentação eletrônica (e a pesquisa do kitsch, e a aparência de trilha de videogame) com melodias acessíveis, com melancolia fincada no baticum e sintetizadores que sangram. Muita gente vai acusá-los de falta de originalidade, mas não ligo. É um álbum que eu ouviria durante um dia inteiro sem parar. E que você deveria rodar em volume alto, no som do carro, quando quiser parecer moderno.

E é um disco todinho instrumental. Mas faça de conta que eu não contei esse detalhe, ok?

Fim dos tempos **

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Há alguns bons motivos para odiarmos M. Night Shyamalan. Um deles: quase toda a imprensa norte-americana decidiu que ele é uma grande farsa, e você pode optar sensatamente por juntar-se a ela. Outro deles: o cineasta posa para fotos de divulgação como um buda ou um Nostradamus ou um Paulo Coelho do cinema de entretenimento. Mais um: nem Michael Jackson teria a ousadia de compôr canções de sentimentalismo tão constrangedor quanto o roteiro de Fim dos tempos, que prega o amor sincero como salvação para a decadência da humanidade. Heal the world? Earth song? São mais contidas.

Mas não. Não odeio M. Night Shyamalan.

A imprensa norte-americana (essa entidade às vezes tão estranha de tão homogênea) talvez nem esteja errada. Com o tempo, esse cinema passou a se expôr com a cara-de-pau – ou, numa perspectiva otimista, com a coragem – de uma obra ridiculamente pessoal. Shyamalan não faz concessões: ele narra histórias róseas sobre ninfas em piscinas e, agora, prevê o fim do mundo como uma reação silenciosa de plantas a disparar toxinas contra pobres mortais.

O que tem? Steven Spielberg também mantém uma certa coerência de filme a filme. Kim Ki-Duk, idem. Fim dos tempos me lembra ambos os autores. Presta homenagens a filmes B de zumbis (à Guerra dos mundos), mas com um tom etéreo de quem escreve uma supostamente linda poesia para Deus (à, por exemplo, Casa vazia). Acima de tudo, me lembra o próprio Shyamalan. Não vejo rupturas entre este filme e Sinais ou Corpo fechado, outras fitas de gênero comandadas por um nerd melancólico. O que sempre me interessou nesse cinema continua aí: eis um diretor capaz de não apenas narrar, mas de acreditar apaixonadamente nas tramas mais tolas, mais zen-vazias.

Encare como uma evolução: ao contrário de O sexto sentido, Fim dos tempos não é milimetricamente construído para sustentar um desfecho surpreendente. Encare como um retrocesso: a obsessão de Shyamalan por emular Hitchcock, aqui, chega a soar juvenil. Em um longa sobre a natureza em fúria (nada mais óbvio que lembrar de Os pássaros, mas sejamos óbvios), o diretor filma a destruição como uma brisa assustadora soprada entre árvores. Aposto que cerca de 90% de qualquer platéia do filme não tomará essa premissa como algo plausível e passará toda a duração do filme à espera de uma justificativa menos trivial para o desespero dos personagens. Ela nunca aparecerá.

Shyamalan parece exigir dos espectadores a mesma impressão singela que ele faz deste nosso difícil, cruel mundo ordinário. Como sempre (e repito isso desde meus 15 anos de idade), as idéias do diretor parecem maior que a capacidade que ele tem de transformá-las em imagens. É um descompasso que já rendeu alguns momentos de lirismo desengonçado, exóticos dentro de Hollywood.

Em Fim dos tempos, a estranheza não evaporou. É o que ainda me atrai no cinema de Shyamalan. Nesta temporada de blockbusters, não haverá outro filme-catástrofe em que os personagens caminharão pelos cenários com o ritmo entorpecido de quem tenta assimilar acontecimentos extraordinários. É um filme tomado por problemas (a composição spielberguiana do personagem de Wahlberg, que encarna a bondade em pessoa, é apenas um deles), mas um projeto que pelo menos tenta dar forma a um olhar. Um olhar imaturo e pateta? Nem sempre se pode ter tudo.