Dia: junho 8, 2008

‘Viva la vida’ Coldplay **

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De Chris Martin, eu não compraria um carro usado. Bateríamos um bom papo num pub londrino, já que ele parece ser um sujeito de bom coração. Bom pai, bom marido, compromissado com causas sociais e ecológicas, chapa de Kanye West e um sujeito com a coragem de apelidar um álbum de Viva la vida, inspirado em Frida Kahlo.

Mas carro usado? Eu, hem. Quem acredita em Chris Martin? Eu é que não. Nosso brother sempre sofreu da síndrome do marketing pessoal. Especialista em provocar muito barulho por quase nada. Há três anos, lembre aí: ele alertou ao mundo que o Coldplay estava prestes a lançar um álbum ambicioso, ousado e com forte carga experimental. O que recebemos? O soporífero X&Y. Facada nas costas. A piada caiu tão amarga que Martin ficou quieto por uns tempos e, depois de fazer pontas em álbuns de hip hop, apagou a gafe do currículo. Mas não voltou a andar na linha. Cá está nosso pronto a inflar nossas expectativas em torno da maior banda (de elevador) de todos os tempos.

Viva la vida or death and all his friends. Você conhece a história, não? Depois de prestar homenagens explícitas ao Echo and the Bunnymen, Martin finalmente parece ter desembarcado no início dos anos 1990. Inspirado mais no U2 de Achtung baby (1991) que no David Bowie de Low (1977), convocou Brian Eno para (nas palavras dele) colorir a sonoridade do grupo. Isso quer dizer que, até aqui, o Coldplay era uma banda em branco e preto? A publicidade torta de Martin nos faz supor que sim, mas não acredite nele. Não desta vez.

Em Viva la vida, Eno é o agente turístico de uma viagem ritmica aparentemente exótica, mas muito segura e confortável. Ele imprime as passagens, e o Coldplay se diverte com a brincadeira de adaptar as próprias canções de amor a camadas percussivas que remetem a apresentações de flamenco, a rituais arcaicos de tribos sul-americanas, a espetáculos cabeçudos de dança contemporânea e aos álbuns menos acessíveis do, er, Radiohead. Mas continuam soando, acima de tudo (e apesar de tudo, para os detratores) como os seresteiros de Yellow, de In my place, de (meu pai!) Fix you.

E perdoem-me os fãs, mas Coldplay é aquela coisa: uma banda que nunca consegue levar as próprias ambições às últimas conseqüências. Martin faz que sofre, mas não sofre. Faz que ousa, mas não ousa. Difícil não concordar com quem identifica neles sintomas de conservadorismo agudo. Um Brian Eno pode até resolver alguns problemas superficiais, mas não faz milagres. As faixas de Viva la vida são mais curtas, sortidas e arejadas que as de um típico álbum deles – e o dedo do produtor pode estar aí. Uma balada monumental, aqui, não segue outra balada monumental. Elas são intercaladas, por exemplo, por um decalque risível de Venus in furs, do Velvet Underground (é o caso de Yes) e por um pastiche apressado de My Bloody Valentine (Chinese sleep chant é o nome da anedota). Pode não ser o melhor álbum da banda, mas sem dúvida soa como o menos redundante.

Confesso: o roqueiro conservador que vive entre meus rins torce para que Martin abandone essa mania de grandeza, essa pompa à Bono Vox, essa necessidade de provar “relevância artística” (entre aspas, vá) e grave um álbum absolutamente simples, mas esquelético e uniforme que o Parachutes (2000). Quem sabe aí ele finalmente aceite o talento para o romantismo mais constrangedor, que defende sempre com tanta sinceridade. Enquanto esse dia não vem, fiquemos com a esquizofrenia de faixas como 42, que começa exatamente como os hits de Parachutes, segue como os riffs de guitarra que sobraram de Ok computer e descamba numa queima de fogos de artifício à Arcade Fire. Menos, rapaziada, menos.

Nota de rodapé: não deixa de ser curiosíssimo (e engraçado) imaginar o Brian Eno na mesa de controle de canções como essas, derivadas de Radiohead. Não sei se vocês lembram, mas muita gente acusou Thom Yorke e cia, lá na fase The Bends, de copiar o pop paranóico e apocalíptico de um Zooropa, do U2. O círculo se fecha, ora pois. E tudo termina em pizz… Coldplay.

Morte

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A morte de uma pessoa tão próxima, diariamente tão presente: sobre o assunto, como escrever algo que não pareça totalmente despropositado, absurdamente egoísta e, pior, tão pouco fiel à realidade?

Não consigo nem ficar admirado com aqueles que sabem usar substantivos, verbos e adjetivos para, no segundo seguinte ao baque, transcrever essa dor – fico assombrado, já que esse procedimento escapa da minha compreensão.

No momento, estou tão perturbado com a história toda que, quando as pessoas me perguntam sobre o assunto, fico congelado numa expressão assustada de quem não sabe nem nunca vai saber o que responder. Eu é que me pergunto: como é que a gente faz? Nessas horas, dizem, o certo é o chavão: seguir em frente, levantar a poeira, acreditar piamente em vida após a morte e em anjos e em destino e na filosofia barata de uma canção do Coldplay etc. Aceito o conselho – antes de desacreditar em tudo e perder o ânimo mais uma vez.