Dia: junho 2, 2008

‘Fleet Foxes’ Fleet Foxes ***

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Foi uma interminável caminhada pela floresta, meus amigos, onde encontramos lagos congelados e trilhas feitas de flocos de neve e esquilos vermelhos – mas finalmente chegamos. Neste final de viagem, vocês têm permissão para se livrar das mochilas pesadas e esperar ao redor da grande fogueira, onde nos reuniremos para uma rápida conversa sobre a experiência que vivemos nessas últimas semanas. Alguém quer uma xícara de chá de camomila com torradas?

(É que, sabe?, passei tanto tempo ouvindo e ouvindo este primeiro álbum do Fleet Foxes que a sensação agora é essa, de encerrar uma jornada. Uma jornada num conto de fadas de Hans Christian Andersen).

Conclusão da pesquisa de campo: nas primeiras semanas, reconheço que adentrei a paisagem com certa má vontade. A região evocou familiaridade e me pareceu ordinária. Fleet Foxes, esse terreno de rica vegetação em Seattle, me lembrou outras viagens, antigas viagens que todo mundo já fez. Me levou ao passado, aos climas psicodélicos de Pet sounds, dos Beach Boys, e Forever changes, do Love – e também de Five leaves left, de Nick Drake, e de Astral weeks, de Van Morrison. Referências que muita gente tem. Era como se eu mapeasse um sonho – meu sonho, erguido a partir de algumas poucas referências musicais.

Depois de alguns quilômetros floresta adentro, notei que havia naquele trajeto semelhanças também com passeios mais recentes. Este seria mais um retrato de compositores do indie rock norte-americano que revisitam o folk e o country e, sem se prender a mitos do rock, se deixam levar por um transe além-corpo? Na minha memória, apareceram álbuns do Midlake e de Bon Iver, Animal Collective e os primeiros do My Morning Jacket. As lembranças foram tantas que quase não prestei atenção às imagens que se formavam à minha frente. Para apreciar as belezas de Fleet Foxes, noto hoje, é preciso esquecer de muito do que já vimos – ou, na melhor das hipóteses, limpar o olhar para admirar o que já conhecemos.

Vocês se lembram do nosso primeiro comboio para um lugar chamado Band of Horses? Não sentimos quase a mesma coisa? Como se recuperássemos o contato com um mundo antigo que, de alguma forma, ainda fazia sentido para nós? Um óbvio mundo antigo? Tal como Band of Horses, Fleet Foxes é barroco sem deixar de soar convidativo. É fácil e delicado. É delirante, mas controlado para caber no formato de um agradável álbum de rock (a guarda florestal da Sub Pop, como sempre, não deixa os animais tão soltos assim). É apinhado de doces arranjos vocais, violões dedilhados e instrumentos exóticos daqueles que encontramos na cabana de sapê de Joanna Newsom. É também uma das estréias mais maduras do ano, o irmão hippie de Nouns, do No Age. Uma linda obviedade.

Depois de algumas semanas, amigos, o que era excessivamente familiar se transformou em uma qualidade rara. Fleet Foxes não é mais uma paisagem distante, uma fotografia amarelada. Ele passou a viver em mim, e daqui se recusa a sair.

‘Weezer (Red album)’ Weezer **

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“Em 1991, eu estava entediado quando meus colegas de quarto me chamaram num canto e disseram: ‘cara, ouça este disco aqui’. Na capa, um bebê pelado. Quando ouvi o refrão, quebrei todas as correntes que me prendiam.”

Não, essa não é a minha vida (mas poderia muito bem ter sido). É um verso de uma nova canção do Weezer, chamada Heart songs. Rivers Cuomo, aos 37 anos de idade, lista os ídolos de um tempo bom que não volta nunca mais. Lembra de Iron Maiden e Judas Priest, morre de saudades de Cat Stevens, Abba e Devo. Admite que começou a banda inspirado no Nirvana. “Essas são as canções que continuarei cantando”, afirma, no refrão. E ninguém tem nada com isso, certo?

A faixa que abre este álbum nervoso, Troublemaker, carrega naquela ironia que costumamos encontrar em hits do Weezer. Mas também acaba soando como um desabafo amargurado. “Sou um encrenqueiro, e nunca vou desistir”, avisa Cuomo. Mas quem falou em desistência? Quem, hem?

O disco vermelho do Weezer parece ter muito a nos provar. Para Cuomo, recuperar a relevância perdida é questão de honra, e não há tempo a perder. Depois de um fracasso de crítica e público (o sentimental, confessional e meio constrangedor Make believe, de 2005), um dos vocalistas-símbolo do rock norte-americano dos anos 90 retorna ao campo – e está tão tenso, treinado e agoniado quanto jogador profissional em final de campeonato. Logo na segunda faixa, The greatest man that ever lived, ele mira Marte: é um épico com inúmeras variações de gêneros que, de tão monumental, parece até paródia do The Who. Talvez seja. Vá entender.

Perto dessa apoteose desengonçada (exatamente o que esperamos de uma ópera-rock escrita por Cuomo), o conjunto das outras canções fica parecendo um longo epílogo. Mas, ainda aos 30 minutos do segundo tempo, o Weezer tenta nos surpreender com malabarismos que fazem deste o álbum mais aventureiro da banda desde Pinkerton (1996). Para justificar o esforço, só falou inspiração. Em vez de contribuir ao processo, a crueza da produção de Jacknife Lee (depois do R.E.M., oficialmente o salva-vidas de bandas em perigo) e de Rick Rubin acentua a fase morna de Cuomo, que abandona o power pop simples do álbum verde (de 2001) e tenta soar sincero, inventivo, boa-praça e um loser em crise de meia-idade – tudo ao mesmo tempo.

É muita ambição para pouco disco. Mas, diabos, ninguém poderá acusá-lo de não ter tentado dar este salto. Infelizmente, maior que as pernas.

As Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian **

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Nasci e cresci na era dos blockbusters. Quando eu era pequeno, passava horas e mais horas diante do Master System e do Mega Drive. Vi a segunda e a terceira partes de De volta para o futuro em salas de cinema. Da sessão de Jurassic Park, lembro em detalhes até hoje – eu tinha 15 anos de idade, e tudo o que eu queria da vida era adotar um dino de estimação. Essa é minha história, vê? Esse é meu curriculum vitae. Então, se é assim, por que raios eu não consigo me acostumar nem me envolver nem me emocionar com esta nova safra de arrasa-quarteirões épicos que soam como uma longa tarde em um parque temático diabólico que, depois de nos prender em uns vinte brinquedos diferentes, nunca, nunca nos deixará ir embora?

Pronto. Falei.

Confesso que quase abandonei a sessão do último Piratas do Caribe (isso não é novidade para vocês, certo?), quando percebi que o roteiro do filme se movia em círculos, como que num loop incessante. Eu poderia ter passado sem os 40 minutos finais de Speed Racer. Quando eu soube que o Indiana Jones mais recente tinha 120 minutos de duração, caiu uma lágrima. Mas aí percebi que a última hora de filme poderia ter sido abduzida por um ET do bem. O que acontece? Estou ficando velho? Minhas baterias estão pifando? Minha juventude evaporou? Preciso urgentemente ter filhos para recuperar a inocência perdida?

Com este Príncipe Caspian o trauma bateu forte. Consegui acompanhar o filme sem muitos sobressaltos ou cochilos, mas com implacável distanciamento. Se alguém me pedisse, eu conseguiria analisá-lo até bem decentemente (modéstia à parte). É fácil notar as ambições do projeto, que tenta acentuar a pompa grandiosa do primeiro longa da série e tingi-la com tons mais sombrios, para um público adolescente (mais ou menos o que aconteceu com as aventuras do Harry Potter). As cenas de batalha são mais agressivas, ainda que excessivas (e sem sangue, para não criar problemas com a censura norte-americana). E os personagens continuam me parecendo de plástico – são quatro adolescentes que poderiam ser eu, você, minha irmã, um grupo de zumbis ou um time figurantes de comercial de material escolar.

O que mais me agrada neste coloridíssimo filme de guerra – e é um detalhe quase bobo para os padrões da indústria do entretenimento – é o trabalho muito cuidadoso com efeitos visuais, à serviço de uma composição sutil, sem grosserias. A seqüência em que a menina sonha com um estranho passeio na floresta prova que ainda é possível encontrar soluções poéticas para o uso de CGI em uma grande produção. Em tempo de Speed Racer e Homem de Ferro, me parece literalmente algo fora dos padrões. Mas nada que me faça sair soltando fogos de artifício. Para essa nova safra de blockbusters, continuo uma pedra.