Dia: maio 31, 2008
Longe dela ***
Entrei no cinema cheio de preconceitos e saí tomado por uma sensação de tristeza fora do comum. O longa-metragem de estréia da atriz Sarah Polley não passa sem problemas, mas não há como desprezar a forma intensa como cria uma atmosfera de melancolia ao redor de protagonistas – a mulher com Alzheimer e o marido, atordoado pela perspectiva de ter que se afastar da esposa, com quem vive por 44 anos. Ao final da sessão, demorei ainda algumas horas para conseguir me distanciar um pouco do drama desses personagens e lidar com o filme de uma forma menos passional (e sei que a culpa é mais do tema, o processo degenerativo da velhice, que do longa em si).
O mérito das interpretações é até óbvio. Tanto Julie Christie (já muito elogiada, e com justiça) quanto Gordon Pinsent encarnam o casal de apaixonados com tanta expressividade que por vezes me peguei lembrando de Erland Josephson e Liv Ullmann em Saraband, do Bergman. Os momentos mais fortes de Longe dela são aqueles que, com muita simplicidade, acompanham a rotina daquele homem com aquela mulher. Aí quase não se percebe, mas trata-se de um primeiro filme.
A estrutura fragmentada da narrativa quebra a história em saltos no tempo que lembram a estética de Atom Egoyan (produtor do filme) – mas às vezes parecem assumir função quase decorativa. O roteiro, escrito pela própria diretora, se revela um tanto imaturo na tentativa de dar verniz poético aos diálogos (algumas cenas, com lições do tamanho de um “nunca é tarde para amar”, são flores de plástico), mas ganha estatura quando traduzido em imagens. Polley é uma cineasta que dá espaço aos atores e tempo para que os personagens, fortes, sobrevivam às artimanhas do roteiro. Sem esse grau de sensibilidade – respaldado pelo elenco – este seria um mero telefilme, chantagem sentimental. Por enquanto, me parece algo mais consistente e duradouro que isso. Para este coração de manteiga aqui, um poeminha perturbador.