Dia: maio 15, 2008
Blindness sucks?
Nem vi, sou pobre e pobres não vão a Cannes. Mas já abandonei essa história de defender o Ensaio sobre a cegueira. Sério, Meirelles, que o Danny Glover faz a narração em off do filme (mais clichê que isso, só Morgan Freeman infernizando nossas vidas)? E que o longa tem um quê de Filhos da esperança (que muita gente adora, mas não vejo como algo extraordinário)? E que passaram o Vaporetto na angústia do livro do Saramago? E que este periga ser mais um frustrante filme de abertura de Cannes, na tradição de Um beijo roubado e Dirigindo no escuro? Paciência, né.
‘The slip’ Nine Inch Nails **
The slip, lançado de graça via internet, é o álbum mais enxuto do Nine Inch Nails desde The downward spiral. Para uma banda que lida com excessos, é uma anomalia. Não que este disquinho de (milagrosos) 43 minutos de duração esteja à altura do álbum de 1994, que praticamente formatou uma estética que acabaria acorrentando o todo-poderoso Trent Reznor. Mas anote aí: é o mais interessante, ou pelo menos o mais coeso desde então.
O que, infelizmente, não quer dizer muita coisa. Como ficou Reznor desde a época em que levou o tal rock industrial ao quinto dos infernos? O álbum duplo The fragile (1999) pode até ter nos sufocado com a overdose de agonia, mas não chegou a apresentar nenhuma mudança radical no figurino (e muito menos nas letras, que seguiam rigorosamente um mesmo tom desiludido) do compositor. O retorno com With teeth (2005) deu verniz melodioso à receita, mas sem alterá-la significativamente. Até a pose conceitual e as historinhas futuristas de Year zero (2007) não nos desviaram de uma estrada perdida.
Parece gozação: Reznor se libertou das amarras da indústria de discos (num momento muito oportuno, aliás, já que a crise corrói tudo) sem abandonar o próprio mundo musical, cada vez mais atrofiado. O álbum instrumental Ghosts I-IV até apontava para uma nova obsessão, mas este The slip coloca o trem no antigo trilho. O maior sintoma de paralisia criativa está nas letras, que repetem frases sombrias que já estavam espalhadas no encarte de The downward spiral (o primeiro que identificar o desabafo “Nothing can stop me now” ganha um comprimido para dor de cabeça). A sonoridade do disco, que martela nossos ouvidos com faixas ruidosas e depois os amacia com a anestesia de trechos lentíssimos, parece denunciar o quão confortável é para Reznor vestir essa fantasia de bicho-papão.
Se é assim tão rotineiro, por que The slip interessa? É que, sem a pressão de bombar nas rádios nem de agradar aos fãs mais xiitas, Reznor finalmente conseguiu se concentrar em um álbum compacto e sem tantas afetações, com início-meio-fim, e que parece resumir tudo o que ele fez desde The downward spiral. As faixas boas são muito seguras (Discipline, Head down), ainda que catem cacos do repertório do Nine Inch Nails. E os trechos instrumentais são mais complexos e envolventes que as típicas viagens de Reznor. Talvez o futuro dele esteja aí, em abandonar velhos tiques e mergulhar nessa nova faceta pantanosa, árdua, um desespero sem refrãos. Muitos fãs o deixarão de lado. Parece a única saída: The slip deixa a sensação de que, elegantemente, fechou-se uma porta.
‘Stainless style’ Neon Neon **
(Antes que vire assunto da semana passada…)
Em discos do Super Furry Animals e em álbuns solo, Gruff Rhys já dava a impressão de se sentir um tanto desconfortável dentro dos limites de um artista de rock. O que este projeto paralelo tem de melhor é que, na companhia do DJ Boom Bip e sem grandes ambições comerciais, o vocalista explode os obstáculos que separam os gêneros e caminha no terreno perigoso do ecletismo. É uma discoteca do galês doido (ainda que as canções se conectem por um conceito, uma biografia cínica sobre a vida de John De Lorean, fundador da De Lorean), mas a dupla se sai bem até quando dá um pulo no tecnopop dos anos 80 (uma das melhores faixas do disco vem daí, Belfast) ou no electro mais modernoso (Sweat shop). O que engana no disco é que a primeira faixa, Neon theme, acaba soando como a mais fraca do pacote. Depois dela, a festa quase nunca termina. Espero que eles continuem juntos por mais um tempo. Se todos os projetos paralelos exibissem esse tipo de coragem, estaríamos bem.