Dia: maio 12, 2008

‘Combat samba’ Mundo Livre S/A ***

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Tivemos banda melhor que essa? Em quinze, vinte anos? Em todos os tempos?

Exageros à parte, ouvir esta coletânea (alinhavada com absoluta precisão por Carlos Eduardo Miranda) é redescobrir um enfezado grupo de guerrilha, eternamente à margem de tudo. Uma grande banda. A gangue de Fred Zero Quatro compôs as obras-primas que quase ninguém ouviu. Por isso, até eu, eterno inimigo dos greatest hits, dou o braço a torcer. O Mundo Livre S/A merece ser celebrado. Ainda. E sempre.

É que hoje se fala muito em Jorge Ben, nos violões psicodélicos de Tábua de esmeralda, no samba esquema novo, coisa e tal. Até as amiguinhas da minha irmã vão à caça toda noite ao som de samba rock. Mas quem soube verdadeiramente, e durante os confusos anos 90!, se apropriar dessas referências e atualizá-las? Não houve banda como o Mundo Livre S/A. Se muita gente ainda os coloca na mesma sacola de Chico Science e resume tudo ao denominador do mangue bit, é hora de tratá-los com a dignidade que sempre fizeram por merecer.

Aos desavisados, recomendo doses diárias e reforçadas de Carnaval na obra ou de Samba esquema noise, dois álbuns impecáveis e inquietos, pop com a pulga atrás da orelha. Mas, antes disso, vale o panorama deste Combat samba, que tenta o que a banda nunca procurou: foco. A coletânea seleciona faixas que, de alguma forma, envergam o samba. Daí a opção de começar com o cartão-de-visitas O mistério do samba e seguir com a ainda deslumbrante Édipo, o homem que virou veículo, levada no cavaquinho. O conceito do disco nos obriga a fazer as pazes com, por exemplo, Super homem plus, um dos sambas sublimes que eles gravaram (e a minha favorita em toda a discografia dele) e a lisérgica Terra escura, obrigatória.

Não vou ficar poupando adjetivos. Este é um disco que só não ganha quatro estrelas por se tratar de uma espécie de (prematuro) resumo da ópera. Tenho meus limites com coletâneas. Mas, apesar do espírito nostálgico, o álbum fecha olhando para cima. O samba politizado e escalafobético se cansou do rock, e hoje beija a eletrônica na novinha Estela. Uma beleza. Os retardatários que me desculpem, mas esta é uma banda que precisa continuar seguindo em frente. É a melhor que temos. E não estou brincando.

Diagnóstico

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Meu blog é um fracasso!

Mas ninguém precisa ficar sabendo disso, ok?

O banheiro do Papa **

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O banheiro do papa tem bom coração. É filme de intenções nobres, personagens perseverantes e uma conclusão em tom desiludido porém esperançoso, que cutuca a ferida das desiguladades sociais na América Latina. É um longa que implora para ser amado por todos os cidadãos de bem. Se eu fosse um sujeito muito cínico, escreveria que o filme às vezes lembra aquele estudante universitário que, na pressa dos últimos 20 minutos que restam, tenta amarrar o ensaio de Sociologia com uma profusão de bonitos argumentos aprovados pelo senso comum. Mas não, estou tentando me regenerar.

Aposto que a dupla de diretores não sofre de má vontade ou despreparo. Eles querem apenas contar uma história real: a da cidadezinha uruguaia que se preparou com tanto entusiasmo para a passagem do Papa que acabou amargando uma ressaca violentíssima. A população de Melo, já muito pobre, esperava uma multidão de visitantes, que torraria uma fortuna na improvisada praça de alimentação armada por comerciantes informais. João Paulo II desembarcou, desfilou no Papamóvel, mas atraiu poquíssimos fiéis à região. O milagre não caiu do céu.

É nesse ambiente de expectativas exageradamente altas que conhecemos Beto, um muambeiro que decide construir um banheiro no quintal da casa para receber um batalhão de forasteiros. O filme, felizmente, não se ancora nesse caso exótico (que serviria para um curta-metragem, no máximo). Prefere explorar a geografia da cidade de Melo e os rostos e o fraseado dos moradores – antes do desfecho, chega a apelar para uma galeria de retratos indignados da população, à Amarelo manga.

É uma opção que liberta os personagens do tom de anedota sugerido pela premissa, mas acaba amortecida por um olhar excessivamente polido, à Diários de motocicleta. Como encontrar sinceridade na revolta dos cineastas quando eles recorrem a um trabalho de fotografia que sai sempre em busca do plano miserável mais bonito? Ou quando eles ornamentam essas imagens com uma trilha sonora quase decorativa? Não duvido: são sujeitos de bom coração. Mas daí a transferir toda essa ternura para a película… Não é sempre que acontece.