Dia: maio 6, 2008

Diário dos mortos ****

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Uma câmera na mão e uma mordida no pescoço. No nosso pescoço.

Diário dos mortos é isso. É também a primeira produção independente de George Romero desde Terra dos mortos, produzido pela Universal. São dois projetos muito diferentes, a começar pelo orçamento. O longa de 2005 custou US$ 16 milhões. O de 2007, US$ 2 milhões. Parece detalhe bobo, mas que acaba dizendo muito sobre o atentado mais recente do diretor de A noite dos mortos-vivos (1968). Sem a necessidade de cumprir, enfrentar ou subverter certas expectativas comerciais de grandes estúdios, Romero pode fazer o que bem entende, do jeito como bem entende. E faz.

Não vem ao caso pedir bênção a ninguém (muitos menos aos fãs dos próprios filmes de zumbi do cineasta, que seguiam uma certa linha evolutiva parcialmente abandonada neste quinto rebento). Romero revê o próprio legado como se dirigisse um remake de Zombie – O despertar dos mortos, de 1978, para ser exibido no YouTube. Até a trama, que segue um grupo de universitários em fuga num país dominado por mortos-vivos, parece raqúitica, requentada. É que, oras, Diário dos mortos não é um filme sobre zumbis – esse já foi feito trocentas vezes. É uma produção de horror que tenta interpretar e habitar o mundo em que vivemos – e, maravilhosamente confusa e imperfeita, acaba soando como uma experiência incompleta, uma falha no sistema.

Em Zombie, os monstros perambulam diante de vitrines de shopping centers. Já em Diário dos mortos, eles são protagonistas de produções caseiras distribuídas no MySpace. O humor de Romero, ainda ardido, dá conta de expor o caos das nossas imagens. Os personagens querem a “verdade”, e por isso se equipam com câmeras digitais: mas eles próprios parecem falsos, a disparar frases prontas e a se meter em cenas que reproduzem trechos de fitas baratas e amadoras de horror. A sobreposição de discursos aprofunda a sensação de estarmos sobre terreno movediço – o filme-dentro-do-filme, chamado The death of death (um título hilariante por si só), é dirigido por um dos personagens (que não sobrevive ao fim da história) e editado por outro. Num planeta em que ninguém é dono da palavra final, em quem acreditar?

A cada truque de montagem, o filme nos larga no tiroteio. Tudo parece simultanemanente artificial e tenso. Uma brincadeira no apocalipse. Um dos ataques de zumbis é precedido por uma narração em off que, distanciada, vai mais ou menos assim: “pensei muito se incluiria ou não essa cena no filme, mas percebi que precisava mostrar a vocês tudo o que aconteceu”. A lição desde making-of acoplado à narrativa é simplezinha, mas urgente: o que vemos, explica Romero, depende das escolhas de quem coloca as imagens no ar (e, nesse comentário sobre nossa crise moral, o filme consegue ser ainda mais direto que Redacted, de Brian de Palma).

Lá pelas tantas, Romero dará o golpe derradeiro ao confundir a violência instintiva dos vilões da história com as obsessões dos heróis, famintos por imagens grotescas. O tipo mais assustador da trama não se alimenta de gente – é apenas um sujeito que não consegue se desligar de uma câmera. Está grudado ao aparelho, e se arrasta como um personagem doentio de um antigo filme de David Cronenberg. Diário dos mortos termina sem atenuantes: é filme de autor novo, ainda agoniado com todas as tantas perguntas que não consegue responder.

Estatísticas

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Vi agora Diário dos mortos (comento outro dia, estou pregado de cansaço) e uma cena me deixou intrigado. O rapaz coloca no MySpace o vídeo de um ataque de zumbis e, em oito minutos, o post recebe 72 mil visitas. 72 mil visitas! Sabem o que é isso? Praticamente o número de page views que este blog aqui terá somado em meados de… 2010?

Esses dados são plausíveis ou é uma gozação do George Romero? Existe isso? Na real? Sim, porque já estou deprimido. Desde que descobri as estatísticas do WordPress, minha vida se transformou num inferno. É assim, vamos abrir o jogo: meu blog dá umas 280 visitas por dia (quando escrevo algo sobre meninas atiradas da janela ou sobre hinos de torcida, o número sobe para uns 350). De acordo com Romero, isso significa que eu deveria estar fritando batatas ou acampando ou fazendo algo mais produtivo da minha vida.

Se eu quiser chegar a 72 mil visitas a cada oito minutos, devo fazer o quê? Postar vídeos grotescos de cabeças cortadas e outras atrocidades do gênero? Eu posso fazer isso. Não sei se quero, mas posso. Na fissura dos 15 minutos de fama, posso. Foi mal, sei que esse tipo de paranóia não faz o menor sentido, mas estou começando a ficar preocupado. Para quem tem planos de se transformar numa Clarah Averbuck de cuecas, acho que estou mal. Muito mal. Ainda muito mal.

(O filme é maravilhoso, antes que me perguntem).