Dia: abril 19, 2008
Violência gratuita *
Detratores, uni-vos: com o remake norte-americano de Funny games, vocês ganharam a ilustração mais didática de tudo o que há de autoritário, duvidoso e (segundo vocês, claro) inepto no cinema de Michael Haneke. Parabéns, façam a festa.
E desta vez, infelizmente, não posso fazer nada além de, cabisbaixo e um tanto decepcionado, concordar com o refrão da torcida adversária.
É aquela história: os filmes de Haneke sempre demonstram teses. Em alguns casos, elas rendem belos diagnósticos do tempo em que vivemos, com personagens de carne, nervos e ossos. É o que acontece em Caché, por exemplo. Em outros momentos, a provocação acaba resvalando em exposições professorais (e agressivas, já que Haneke quase sempre se coloca numa posição de superioridade em relação ao espectador) de raciocínios um tanto quanto superficiais. Nessa categoria incluo Código desconhecido (com metáforas tolinhas para a miragem da União Européia) e Time of the wolf (em que o cineasta, no auge dos delírios de auteur, faz as vezes de profeta do apocalipse).
Meu problema com Funny games é de outra ordem: nunca consegui classificá-lo. É um filme que defende um argumento frágil (a de que o espectador é o grande cúmplice da violência no cinema), mas que sempre me impressionou pela virulência com que trata essa fúria desembestada, levada às últimas conseqüências.
Se a experiência deste remake conta para o espectador como uma revisão (trata-se de uma refilmagem literal, quase quadro-a-quadro), fica a suspeita de, ao contrário do que eu imaginava, o tempo não alterou ou ampliou o olhar de Haneke. O cineasta continua a ver o mundo e o cinema por uma lente estreita. Ainda trabalha os climas de suspense com eficiência e arranca ótimas interpretações do elenco (a estrelinha lá de cima é para Tim Roth, Naomi Watts e Michael Pitt). Mas a técnica, muitas vezes, opera a favor da pregação de um argumento plano.
O novo Funny games tem um propósito claro -mirar especificamente o público norte-americano, supostamente o responsável pela “cultura da violência” nas telas – e cumpre essa missão fundamentalista de um jeito mecânico, sem graça ou vida. Faz o serviço de condenar quem produz e quem consome um Jogos mortais, digamos assim. Como se o público não soubesse interpretar aquilo que vê.
Aos que lembram do filme anterior, resta acompanhar, sem reação, os detalhes de um crime premeditado. Haneke comentou que trata-se de um teste para o público: bem-aventurados os que se revoltarem contra aquelas imagens e abandonarem a sala de cinema. Os que suportarem o ritual de sadismo estarão do lado dos bandidos, dos torturadores. Existe uma idéia de conversão, de educação da audiência. O detalhe importante (e óbvio) é que, entre a encenação e a platéia, existe a figura do diretor. Quais os limites do artista diante da representação da violência? Dessa questão, o filme se esquiva bem malandramente.