Dia: abril 6, 2008

Apenas uma vez **

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Ao fim da sessão de Apenas uma vez, minha primeira reação foi a de desenterrar as dezenas de fitinhas-cassete que contêm alguns dos momentos mais patéticos e constrangedores da minha adolescência. Lá estou eu, com um violão e um pandeiro pré-gravado, interpretando horrendas canções originais sobre amor platônico, desespero sem causas e medo, muito medo, medo de deus e do mundo. Lá estou eu, com minha guitarra distorcida e desafinada, tentando reinventar o punk rock ou destilando versões inventivas para Roll with it (do Oasis) e Old black dawning (do Frank Black). Lá estou eu, jovem, tolo e rebelde.

(Falando sério: tenho pena daqueles que, quando eu morrer, decidirem ouvir todas essas bobagens. Provavelmente essas pessoas serão minha mãe, meu padrasto e minha irmã, sentados ao redor do aparelho de som, chocados com a péssima qualidade poética e melódica do material, comendo castanhas e chorando de desgosto).

Daí que entendo o sucesso desta produção pequena (custou US$ 160 mil, rendeu US$ 14 milhões) e intimista, feita em digital, escorada num elenco de músicos que certamente não freqüentaram workshops do Actor’s Studio. É um filme sobre o desejo por música, a fome de composição, o vômito da criação artística – tema com que muita gente (fãs, músicos de primeira viagem, etc) pode se identificar. Suspeito que o filme soaria ainda mais interessante se as canções fossem todas simplesmente péssimas, risíveis de tão ruins. Se tivessem entrado em contato comigo, eu teria cedido os direitos das minhas.

Mas não. É a história de um músico muito sério, muito ambicioso – misto de Damien Rice, Coldplay e David Gray -, que compõe refrãos apoteóticos à espera da grande chance. Enquanto ela não vem, ele se apresenta nas ruas. Evita interpretar pela manhã as composições próprias, já que as pessoas só querem saber de greatest hits. À noite, encena um repertório sofrido, sofrido, sofrido (e, em alguns momentos, sofrível). É num desses pocket shows de sarjeta que ele conhece uma menina estrangeira que sabe tocar piano e fala pouco inglês. Obviamente, ele se apaixonará por ela. Também obviamente, o romance será embarreirado por um motivo qualquer.

A narrativa, pueril-pueril, parece um pretexto para registrar os duetos musicais entre o casal. O filme cresce consideravelmente nessas cenas. Esses personagens capturam com nervos saltados o prazer que existe no ato de compor e interpretar as próprias canções. É bonito de se ver. Não tão bonito de se ouvir. A menos que você caia de amores pelas baladas mais derramadas de James Blunt. Ou tenha algumas fitinhas suspeitas guardadas no armário. Nesse caso, o filme pode provocar flashbacks e bad trips e dores de consciência e… cuidado.