Dia: abril 4, 2008

Wado e Júpiter Maçã

Postado em Atualizado em

Quando se fala em música independente brasileira, muita gente acaba levantando a questão: como explicar o surto criativo das novas bandas (Vanguart, Macaco Bong, Móveis Coloniais da Acaju, Superguidis e tantas outras) em meio à mais cavernosa crise da indústria fonográfica? Do alto da minha ignorância, acredito numa relação profunda entre esses dois fatores. Os nossos melhores álbuns dos últimos anos são aqueles que se beneficiam de um mercado em ruínas. E fazem arte, às vezes com agonia, sobre as incertezas dos nossos tempos.

Explico. Uma grande gravadora não arriscaria lançar um álbum como o do Vanguart, com folk rock em inglês e português, sem antes impor à banda uma longa lista de regras de conduta. Nem investiria num projeto instrumental e psicodélico como o Macaco Bong. Longe de pressões comerciais, é possível gravar obras verdadeiramente livres e despreocupadas. Mas aí entra um duro problema: quem ouvirá esses discos? E mais: o que essas bandas perdem quando excluídas das tensões criativas provocadas pela forte exposição na mídia?

A carteira de identidade da boa música pop contemporânea feita no Brasil, de qualquer forma, é essa: ao mesmo tempo em que se aproveita artisticamente a liberdade do (ainda manco) circuito independente, quase ninguém sabe direito onde quer chegar.

Aí entram os novos álbuns do Wado e do Júpiter Maçã, os mais interessantes deste início de ano.

wadocapinha.jpgO do Wado, meu favorito, é o que expõe esse dilema de forma mais incisiva. O título, Terceiro mundo festivo, indica alegria sob o sol. Mas as canções, doloridas toda vida, contradizem o oba-oba tropical. Logo na primeira faixa, o alagoano está dependurado num fio desencapado. “Estou de fato tentando me adequar”, assume, na música seguinte. Há uma capa fina de tristeza que cobre o clima do disco (que, nas melodias, é realmente o mais arejado da carreira do compositor).

É lá na sexta faixa, Fita bruta, que Wado finalmente abre o jogo. Numa poesia brutal, ele faz o favor de explodir a bolha de sabão do rock independente. “E esta é a maior censura, esta que não tem cura, que nasce dentro do autor. É melhor ficar calado. É melhor virar de lado e desligar o gravador”, canta, numa espécie de hip-hop franzino. Um lindo, emocionante desabafo.

Quando se nota o contexto do álbum, o tom desiludido da música fica mais claro. Wado, que tem três outros ótimos discos, lançou este novo álbum de graça via internet (para baixar, corra ao site dele). Admite que ainda não consegue viver de música, e que discos servem principalmente como plataforma para shows. Taí um artista que não encontra lar em lugar algum, muito menos no tal circuito indie.

jupitercapinha.jpgO gaúcho Júpiter Maçã é outro que parece deslocado nesse esquema novo. Uma tarde na fruteira é o álbum mais acessível que já gravou, com referências de Tropicália, Beatles, Bob Dylan e todos os ídolos psicodélicos que ouvimos desde criancinha. Ainda assim, demorou um ano para chegar ao país – foi lançado em 2007 por uma gravadora espanhola. A goiana Monstro Discos fez o favor de importá-lo, mas para quem?

A graça do álbum está nesse descompromisso com qualquer tipo de modismo. Nesse descompasso à Tom Zé. Ele poderia ter sido gravado em 1971. Mas, em 2008, acaba dizendo muito sobre o período em que nossa música vive. Voltamos a habitar uma terra vasta, pronta a ser redescoberta. Enquanto ninguém chega a lugar algum, vale seguir de perto os aventureiros que, muito sabiamente, atiram para todos os lados.