Dia: abril 1, 2008
Jumper **
Filmes de super-heróis costumam começar como sonhos – que, às vezes nem tão lentamente, se transformam em pesadelos. Pode até parecer divertido descobrir o talento para voar, mas não quando há kriptonita no planeta. E aí nem preciso chegar naquela filosofia batidíssima dos grandes poderes e das grandes responsabilidades. Filmes de super-heróis nos ensinam a duvidar das marés de sorte.
Em Jumper, há o sonho: o dom do teletransporte garantirá a nosso herói acesso a cofres de banco, ao Coliseu e às pirâmides do Egito. E o pesadelo, já existe um vilão brutal interessado em acabar com a festa do mocinho. No caso, ele é Samuel L. Jackson. Também no caso, Samuel L. Jackson descoloriu o cabelo para parecer absolutamente insano. Parece.
O filme não é um Homem-Aranha. Nem um Batman. É quase tão eficiente (e impessoal) quanto o episódio piloto da primeira temporada de Heroes. A crítica norte-americana odiou, e talvez eles tenham razão: como diria Homer Simpson, é o tipo de entretenimento que se vê de graça na televisão. Mas vá ao cinema com expectativas extremamente reduzidas e você descobrirá que… o episódio piloto da primeira temporada de Heroes não era uma tragédia, para começo de conversa.
E tem mais: a crítica pegou pesado com Doug Liman. Parece ter desprezado o fato de que o longa é coerente com a trajetória de um diretor que, desde Vamos nessa, é fissurado por exercícios de edição. Paul Greengrass fez estragos com Bourne, mas a obsessão pelo corte, pela montagem frenética, já estava (ainda que timidamente, quando comparamos aos outros dois) no primeiro filme da série. A premissa deste Jumper deve ter fascinado Liman pela possibilidade de costurar a imagem de uma prisão italiana a uma cena no deserto do Egito, e depois saltar para um subúrbio norte-americano e cair nas geleiras da Antártida. Tenho certeza absoluta de que o quebra-cabeça formal interessa mais ao diretor que qualquer outro elemento do filme. Os personagens? A trama? Pff.
Disseram até que o diretor parece não se divertir com o filme. Discordo. Como prova do contrário, basta notar o clímax, em que os cortes velozes e os saltos geográficos levam o espectador às possibilidades menos plausíveis de ficção. Estamos no terreno da imaginação endoidecida, da fantasia sem limites. Em época de super-heróis “realistas”, tanta liberdade ganha tons de heresia. Por que não pode? Acredito até que a narrativa poderia ter saído mais caótica, mais tresloucada e, por conseqüência, instigante. Eu queria muito ter visto esse filme dirigido por Olivier Assayas (aí seria um thriller político e teria mulher pelada), ou por Paul Greengrass (quem sabe as seqüências?).
Esse é o sonho. O pesadelo é que provavelmente esses cineastas desprezariam uma premissa tão juvenil. Ou topariam a idéia, e seriam desprezados solenemente.