‘Brighter than creation’s dark’, Drive-By Truckers ****
Durante o segundo semestre de 2007, perdi quase todos os meus amigos. Alguns deles, da forma natural como acontece com todo mundo – o distanciamento lento dos que viajam e se casam, o desinteresse gradual dos que entram em outra sintonia. Outros, de modo um pouco mais abrupto – naqueles instantes em que opções precisam ser feitas, em que situações-limite te obrigam a colocar tudo em uma novas perspectivas. Sofri com as perdas. Mais que isso, porém, experimentei uma sensação ainda mais dolorida: a de me pegar deslocado, excluído do meu próprio mundo, como quem não recebe o convite para ir à festa onde todas as outras pessoas conhecidas estarão.
Um sentimento juvenil, bocó, mas que acabou me sequestrando aos 28 anos de idade. Shit happens, já dizia o sábio.
Nessa fase de extremo desconforto, valeu quase tudo. Me peguei soluçando no primeiro parágrafo de O caçador de pipas, para vocês terem uma idéia. Mas agora, que está quase tudo bem, começo a despertar para aquela impressão de que os trilhos voltaram a amparar as rodas do trem.
Não recomendo a experiência a ninguém, essa estranha puxada de tapete. Mas costuma acontecer – e, quando acontece, você começa a notar que quase todo mundo passa por meses muito ruins. E que, no fim das contas, estamos todos sempre perdidos em nossas próprias vidas sem nos darmos conta disso (por mais simplória e chorosa que esse tipo de conclusão possa soar, me perdoem).
Há muitos discos sobre o breu – e o mais recente do Of Montreal, por exemplo, recomendo com força, ainda que não tenha coragem de voltar a ouvi-lo. Poucos são os que retratam com maturidade o mal-estar vivido por essa cambada de outsiders sentimentais. Fiquei muito surpreso quando descobri que Brighten than creation’s dark é um álbum inteirinho, e brilhante, sobre o tema. E também um raro disco com a disposição (a fome, na verdade) de narrar histórias e compor personagens – algo que caiu de moda, e nos leva a Bruce Springsteen, Tom Petty e a poucos seguidores dessa tradição, como o Hold Steady (e, em escala bem menor, o Against Me!).
É um álbum de alt country e southern rock, o que provavelmente irritará 90% dos leitores deste blog. Mas recomendo que deixem o preconceito de lado. Tal como em Being there, do Wilco, o Drive-By Truckers filtra as referências mais típicas por um viés melancólico, que só fica claro quando se presta atenção às letras. Aí você conhecerá Bob, o homem que abandonou todas as ambições para viver com gosto uma rotina de poucos desafios (na ótima Bob), ou o pai apreensivo com a idéia de morrer e deixar para trás a família (Two daughters and a beautiful wife). Há contos de soldados perdidos em delirantes fluxos de consciência (The man I shot), de corruptos por necessidade (Goode’s field road) e, finalmente, uma ode ao cinema de John Ford (The Monument Valley) que diz muito sobre a filosofia da própria banda. “Quando a poeira baixa, aí percebemos que a História é escrita à margem da estrada”, ressaltam.
Longo, em widescreen – o grupo alterna faixas de dois compositores complementares, Peterson Hood e Mike Cooley -, o álbum apresenta uma sucessão de imagens de desamparo, de impotência diante de um mundo que cobra demais e oferece pouco. É um épico de heróis feridos, como o protagonista de Daddy needs a drink, que pede um trago para “enfrentar toda a beleza”. Ou o narrador de Perfect timing, que, ácido, nota: “Eu costumava odiar o idiota em mim, mas apenas às manhãs. Agora o tolero durante o dia todo.”
Sei como é.
janeiro 30, 2008 às 2:29 am
teus textos tao cada dia mais redondinhos e fofinhos. baixarei esse disco em troca da tua paciencia (infinitamente recompensada) com o the office ianque. (ja te disse pra ver the wire 30 vezes e nao me canso de repetir.)
ah, e tua critica pro braziliense pro “maos de cavalo” ta postada no submarino. boa critica, bom livro.
dica: leia muriel spark. realidade e sonhos & memento mori, lançados em 2001 pela cia. das letras. sparkling, e olha que eu me esforço pra nao escrever isso.
e, sim, eu nao vejo o.c. ecou.
janeiro 30, 2008 às 8:56 am
Sério que a resenha tá postada no Submarino? Meu deus.
Minha dica é baixar o disco e entrar no site do Drive-By Truckers, onde que tem todas as letras.
janeiro 31, 2008 às 5:32 am
“Onde que tem” foi lindo.
Baixei o disco, não ouvi inteiro mas o que escutei é lindimais.
janeiro 31, 2008 às 5:32 am
Ah, eu gostei da música nova do Panic! At the Disco
Emos que andaram ouvindo The Shins?
janeiro 31, 2008 às 9:22 am
Puts, “onde que tem” é ótimo. Nem eu tinha percebido! Hehe.
Sei lá, Diego, mas se eles começarem a ouvir Shins eu não vou achar estranho.