O caçador de pipas *
Eu indicaria O caçador de pipas para minha mãe, que choraria na cena em que o menininho afegão é violentado num beco de Cabul. Mas não indicaria ao meu padrasto, que se irritaria com o retrato das transformações sofridas no Afeganistão nos últimos 30 anos. Nas primeiras cenas, vemos um país onde crianças serelepes soltam pipa e brincam na paisagem exuberante – mais adiante, já sob o domínio Talibã, as locações ficam desbotadas, um deserto de almas penadas.
Eu indicaria para meu pai, que gosta de adoçadas histórias de vida, carregadas de belas lições de sobrevivência na selva dos humanos. Mas não para quem se incomoda com melodramas chapados, em que pão é pão e queijo é queijo.
Minha opinião distanciada, elegante: é uma adaptação correta para um livro que, ao que parece (ainda estou na metade), tem todos os defeitos do mundo menos o da frieza. Duas estrelas. Minha opinião radicalmente honesta, antipática: é um chororô com personagens unidimensionais, que funcionam como peças de uma tragédia grega altamente calórica. Uma estrela, e me chamem de insensível.
O livro é um Harry Potter para senhoras, e a adaptação para o cinema cumpre o que se espera de, por exemplo, mais um capítulo das aventuras do bruxinho inglês. Marc Forster faz o possível para ser fiel à trama original, e liga o piloto automático no registro mais convencional de uma carreira que inclui Em busca da Terra do Nunca. O roteiro lista os eventos do romance, só que pouco se importa em garantir complexidade psicológica aos personagens (o herói agoniza de culpa, e mal sentimos tanta dor). Parece interessante quando o protagonista reforna ao Afeganistão e descobre-se deslocado na própria história. De qualquer forma, não consigo comprar a chantagem emocional, a barba falsa, a redenção fake, as coincidências da trama, a trilha sonora de Alberto Iglesias.
Mas eu o indicaria. A algumas pessoas.