Dia: dezembro 26, 2007
A desconhecida *
A ucraniana Irina (Xenia Rappaport) tem tantos segredos escondidos no porão que uma década de terapia provavelmente serviria apenas para catalogar os traumas por ordem alfabética. Exilada na Itália, ela tenta escapar de um passado morto-vivo, que para ela retorna em flashes de lembranças – e para nós, espectadores sequelados, em flashbacks fragmentados, sangrentos, amarelados e tremidos, mais ou menos como cenas deletadas de um capítulo de Jogos mortais.
Ela sabe de quem escapa. E também sabe por que decide se infiltrar, disfarçada de empregada doméstica, na casa de uma família de classe média. Nós engoliremos essas informações aos poucos, já que estamos presos num thriller que, com duas horas de duração, só começará a revelar as verdadeiras intenções lá pelo centésimo minuto. Enquanto isso, seremos entretidos por um daqueles exercícios de estilo que, em uma suposta biografia de Giuseppe Tornatore, constará como a “homenagem a Hitchcock” ou como a “homenagem a (inclua aqui o nome de algum mestre italiano do cinema de horror, obscuro)”.
Tornatore manipula o gênero como quem usa serra elétrica para fatiar pizza. Não espere dele o mínimo de sutileza. Não espere senso de humor, nem mesmo em momentos acima do tom que estão um dedinho do completo ridículo (por exemplo: as cenas em que a obstinada Irina vaga por um lixão, à Estamira). A trilha sonora de Ennio Morricone nos prega repetidos sustos, como uma peça extravagante que se desenrola à margem da narrativa. E a fotografia é tão sombria que, na tosca versão digital exibida em cinemas brasileiros, dá vontade de pedir emprestado uma lanterna facilitar o acesso a algumas das cenas. Quando chegamos aos momentos finais, dá para admirar a ousadia de Tornatore (que também escreveu este roteiro esquisitíssimo). Mas também fica a vontade de assistir a qualquer Hitchcock, nem que para tirar o gosto amargo de derivação vagabunda – o que não chega a ser a mais saborosa das impressões.