Dia: dezembro 24, 2007
Garçonete **
Quando vi o cartaz, já pensei: lá vem mais uma comédia romântica a lucrar com o efeito afrodisíaco da gastronomia nos corações, mentes e estômagos de espectadores mais sensíveis (e famintos).
Muito enganado, eu. Se o filme não chega a ser nouvelle cuisine, é daqueles que tentam arejar um gênero surrado com personagens de carne-e-osso. Até o balcão de oferendas saborosas e altamente calóricas – e, se você não sair da sala de exibição com vontade de comer torta de chocolate com morango, provavelmente precisará ir ao médico para uma consulta de emergência – parece ficar em segundo plano, como uma espécie de entradinha para abrir nosso apetite para a trama principal, sobre uma garçonete com o simples desejo de abandonar o marido bruto e a vida modorrenta em uma cidade sem futuro. Como se a premissa de O céu de Suely encontrasse o tom colorido e amigável de Pequena Miss Sunshine – e daí dá para ter uma idéia do sabor de um filme que até parece, mas não é mera tortinha de maçã do McDonald’s.
É filme que eu colocaria pra rodar antes da ceia de Natal. Minha mãe cairia no choro e minha tia provavelmente terminaria o casamento com o tio encrenqueiro. Mas é esse o espírito. Por falar nisso, antes que seja tarde, Feliz Natal!
Propriedade privada **
Um dos melhores filmes de terror do ano.
Aí vocês me perguntam: foi um bom ano para filmes de terror? Não foi. Mas este conto mínimo sobre relações familiares provoca mais frio na espinha que, digamos, 30 dias de noite. Perturba, e de um jeito que as almas-penadas tailandesas, por exemplo, não conseguem. É que, até certo ponto, o tom extremamente realista desta encenação nos deixa perigosamente perto das vidas de pessoas tão iguais a tantas que conhecemos, e ao mesmo tempo amarradas em laços sentimentais tão doentios.
De início, até imaginamos que trata-se de mais uma história sobre a mãe possessiva que mina a vida adulta de dois filhos, irmãos gêmeos. Parece que ela os aprisiona em um casarão (mal-assombrado?), já que o ex-marido mal pode se aproximar dos dois. Mais adiante, descobrimos que a situação é mais complexa: quando a mãe começa a planejar o futuro ao lado de um novo namorado, os filhos não aceitam. E não aceitam violentamente. Todos deverão viver juntos sob aquele teto. Por quê? Até quando? Os personagens não têm respostas, não querem respostas. Estão todos perdidos em um delírio tão íntimo que ninguém poderá resolver.
Com esses dramas, e apenas com eles, o filme já seria muito assustador. Provocaria ainda mais impacto com 70 minutos de duração, como um golpe rápido e frio. Quanto mais próximo das nossas vidas, mais tormento provoca. O que me incomoda no filme é a necessidade de levar esse conflito a um ponto alto, a um clímax, a uma dispensável simplificação de intenções. O que fica na minha memória não é o desfecho, mas a simples imagem dos três personagens atirados no sofá da sala, no descanso vazio de uma prisão domiciliar. Brrrr.