Senhores do crime ***
Há uma disputa seca e tensa entre mafiosos russos – estamos em um duríssimo filme de gângster. Mas logo ali transita a médica angelical que procura final feliz para um recém-nascido sem pai nem mãe. Seria um conto de fadas? Mais adiante, o gângster encontra a médica e estamos quase na borda de um filme de amor. Mas quase. A trama dobra a esquina e, numa seqüência inacreditável de pancadaria dentro de um banheiro público (que termina da forma mais cruel que poderíamos imaginar), nos damos conta que estávamos desde sempre em um… filme de David Cronenberg.
Não importa mais o que ele decida filmar, se o homem-mosca ou o (traumatizado) homem-aranha. Há temas que perspassam o subtexto de cada um dos filmes, e que retornam aqui sob falsa aparência de sobriedade. Mais que amarrar as pontas de uma história de reviravoltas e traições, Cronenberg vai fundo no estudo psicológico de personagens endoidecidos pelo desejo de roubar o poder, estar no poder, manter-se no poder. Não há como dividir tronos – e, esse jogo doentio de “resta-um”, o cineasta acompanha com distanciamento, e tristeza. Ele sabe como a história termina, mas ainda não consegue entender os estranhos mecanismos da obsessão humana. O cinema de Cronenberg não está aí para satisfazer as vontades de ninguém: fica mais complicado, e melhor, com o tempo.